(continuação)
Há,
todavia, uma resposta mais pessoal. A ciência diz-nos o que podemos saber, mas
o que podemos saber é muito pouco e, se esquecemos quanto nos é impossível
saber, tornamo-nos insensíveis a muitas coisas sumamente importantes. A
teologia, por outro lado, nos induz â crença dogmática de que temos
conhecimento de coisas que, na realidade, ignoramos e, por isso, gera uma
espécie de insolência impertinente com respeito ao universo. A incerteza, na
presença de grandes esperanças e receios, é dolorosa, mas temos de suportá-la,
se quisermos viver sem o apoio de confortadores contos de fadas, Não devemos
também esquecer as questões suscitadas pela filosofia, ou persuadir-nos de que
encontramos, para as mesmas, respostas indubitáveis. Ensinar a viver sem essa
segurança e sem que se fique, não obstante, paralisado pela hesitação, é talvez
a coisa principal que a filosofia, em nossa época, pode proporcionar àqueles
que a estudam.
A
filosofia, ao contrário do que ocorreu com a teologia , surgiu, na Grécia, no
século VI antes de Cristo. Depois de seguir o seu curso na antigüidade, foi de
novo submersa pela teologia quando surgiu o Cristianismo e Roma se desmoronou.
Seu segundo período importante, do século YI ao século XIV, foi dominado pela
Igreja Católica, com exceção de alguns poucos e grandes rebeldes, como, por
exemplo, o imperador Frederico II (1195-1250). Este período terminou com as
perturbações que culminaram na Reforma. O terceiro período, desde o século XVII
até hoje, é dominado, mais do que os períodos que o precederam, pela ciência.
As crenças religiosas tradicionais mantêm sua importância, mas se sente a
necessidade de que sejam justificadas, sendo modificadas sempre que a ciência
torna imperativo tal passo. Poucos filósofos deste período são ortodoxos do
ponto de vista católico, e o Estado secular adquire mais importância em suas
especulações do que a Igreja.
A
coesão social e a liberdade individual, como a religião e a ciência, acham-se
num estado de conflito ou difícil compromisso durante todo este período. Na
Grécia, a coesão social era assegurada pela lealdade ao Estado-Cidade; o
próprio Aristóteles, embora, em sua época, Alexandre estivesse tornando
obsoleto o Estado-Cidade, não conseguia ver mérito algum em qualquer outro tipo
de comunidade. Variava grandemente o grau em que a liberdade individual cedia
ante seus deveres para com a Cidade. Em Esparta, o indivíduo tinha tão pouca
liberdade como na Alemanha ou na Rússia modernas; em Atenas, apesar de
perseguições ocasionais, os cidadãos desfrutaram, em seu melhor período, de
extraordinária liberdade quanto a restrições impostas pelo Estado. 0 pensamento
grego, até Aristóteles, é dominado por uma devoção religiosa e patriótica á
Cidade; seus sistemas éticos são adaptados às vidas dos cidadãos e contêm
grande elemento político. Quando os gregos se submeteram, primeiro aos
macedônios e, depois, aos romanos, as concepções válidas em seus dias de
independência não eram mais aplicáveis. Isto produziu, por um lado, uma perda
de vigor, devido ao rompimento com as tradições e, por outro lado, uma ética
mais individual e menos social. Os estóicos consideravam a vida virtuosa mais
como uma relação da alma com Deus do que como uma relação do cidadão com o
Estado. Prepararam, dessa forma, o caminho para o Cristianismo, que, como o
estoicismo, era, originalmente, apolítico, já que, durante os seus três
primeiros séculos, seus adeptos não tinham influência no governo. A coesão
social, durante os seis séculos e meio que vão de Alexandre a Constantino, f oi
assegurada, não pela filosofia nem pelas antigas fidelidades, mas pela força -
primeiro a força dos exércitos e, depois, a da administração civil. Os
exércitos romanos, as estradas romanas, a lei romana e os funcionários romanos,
primeiro criaram e depois preservaram um poderoso Estado centralizado. Nada se
pode atribuir à filosofia romana, já que esta não existia.
(continua)
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