(continuação)
Com o
subjetivismo na filosofia, o anarquismo anda de mãos dadas com a política. Já
no tempo de Lutero, discípulos inoportunos e não reconhecidos haviam
desenvolvido a doutrina do anabatismo, a qual, durante algum tempo, dominou a
cidade de Wünster. Os anabatistas repudiavam toda lei, pois afirmavam que o
homem bom seria guiado, em todos os momentos, pelo Espírito Santo, que não pode
ser preso a fórmulas. Partindo dessas premissas, chegam ao comunismo e à
promiscuidade sexual. Foram, pois, exterminados, após uma resistência heróica.
Mas sua doutrina, em formas mais atenuadas, se estendem pela Holanda,
Inglaterra e Estados Unidos; historicamente, é a origem do
"quakerismo". Uma forma mais feroz de anarquismo, não mais
relacionada Com a religião, surgiu no século XIX. Na Rússia, Espanha e, em
menor grau, na Itália, obteve considerável êxito, constituindo, até hoje, um
pesadelo para as autoridades americanas de imigração. Esta versão moderna,
embora anti-religiosa, encerra ainda muito do espírito do protestantismo
primitivo; difere principalmente dele devido ao fato de dirigir contra os
governos seculares a hostilidade que Lutero dirigia contra os Papas.
A
subjetividade, uma vez desencadeada, já não podia circunscrevem-se aos seus
limites, até que tivesse seguido seu curso. Na moral, a atitude enfática dos
protestantes, quanto à consciência individual, era essencialmente anárquica. O
hábito e o costume eram tão fortes que, exceto em algumas manifestações
ocasionais, como, por exemplo, a de Münster, os discípulos do individualismo na
ética continuaram a agir de maneira convencionalmente virtuosa. Mas era um
equilíbrio precário. O culto do século XVIII à "sensibilidade"
começou a romper esse equilíbrio: um ato era admirado não pelas suas boas
conseqüências, ou porque estivesse de acordo com um código moral, mas devido à
emoção que o inspirava. Dessa atitude nasceu o culto do herói, tal como foi
manifestado por Carlyle e Nietzsche, bem como o culto byroniano da paixão
violenta, qualquer que esta seja.
O
movimento romântico, na arte, na literatura e na política, está ligado a essa
maneira subjetiva de julgar-se os homens, não como membros de uma comunidade,
mas como objetos de contemplação esteticamente encantadores. Os tigres são mais
belos do que as ovelhas, mas preferimos que estejam atrás de grades. O
romântico típico remove as grades e delicia-se com os saltos magníficos com que
o tigre aniquila as ovelhas. Incita os homens a imaginar que são tigres e,
quando o consegue, os resultados não são inteiramente agradáveis.
Contra
as formas mais loucas do subjetivismo nos tempos modernos tem havido várias
reações. Primeiro, uma filosofia de semicompromisso, a doutrina do liberalismo,
que procurou delimitar as esferas relativas ao governo e ao indivíduo. Isso
começa, em sua forma moderna, com Locke, que é tão contrário ao
"entusiasmo" - o individualismo dos anabatistas como à autoridade
absoluta e à cega subserviência à tradição. Uma rebelião mais extensa conduz à
doutrina do culto do Estado, que atribui ao Estado a posição que o Catolicismo
atribuía à Igreja, ou mesmo, às vezes, a Deus. Hobbes, Rousseau e Hegel
representam fases distintas desta teoria, e suas doutrinas se acham encarnadas,
praticamente, em Cromwell, Napoleão e na Alemanha moderna. O comunismo, na
teoria, está muito longe dessas filosofias, mas é conduzido, na prática, a um
tipo de comunidade bastante semelhante àquela e que resulta a adoração do
Estado.
Durante
todo o transcurso deste longo desenvolvimento, desde 600 anos antes de Cristo
até aos nossos dias, os filósofos têm-se dividido entre aqueles que querem
estreitar os laços sociais e aqueles que desejam afrouxá-los. A esta diferença,
acham-se associadas outras. Os partidários da disciplina advogaram este ou
aquele sistema dogmático, velho ou novo, chegando, portanto a ser, em menor ou
maior grau, hostis à ciência, já que seus dogmas não podiam ser provados
empiricamente. Ensinavam, quase invariavelmente, que a felicidade não constitui
o bem, mas que a "nobreza" ou o "heroísmo" devem ser a ela
preferidos. Demonstravam simpatia pelo que havia de irracional na natureza
humana, pois acreditavam que a razão é inimiga da coesão social. Os partidários
da liberdade, por outro lado, com exceção dos anarquistas extremados,
procuravam ser científicos, utilitaristas, racionalistas, contrários à paixão
violenta, e inimigos de todas as formas mais profundas de religião. este
conflito existiu, na Grécia, antes do aparecimento do que chamamos filosofia,
revelando-se já, bastante claramente, no mais antigo pensamento grego. Sob
formas diversas, persistiu até aos nossos dias, e continuará, sem dúvida, a
existir durante muitas das eras vindouras.
(continua)
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