sábado, 15 de dezembro de 2012

A suprema justiça do espetáculo: o mensalão, o circo e nenhum pão


por: Mauro Iasi

Sem dúvida o nosso tempo… prefere a imagem à coisa (…)
Ele considera que a ilusão é sagrada, e a verdade é profana.

Guy Debord
Desde tempos imemoriais os seres humanos representam, isto é, transpõem a vida ao ritual, ao símbolo, à imagem, para olhá-la como num espelho e tentar reconhecer-se. No entanto, como nos explica Bakhtin, o signo não é uma simples reapresentação do real, ele reflete e refrata o real representado. No caso do ritual da justiça, o espetáculo não é mera expiação social do dano causado, ela é mais que isso, é catarse.

Os meios de comunicação transmitiram o espetáculo do julgamento do mensalão com o rigor do rito jurídico e com as sutilezas da performance circense, com direito a mágicos e suas capas e uma profusão de coelhos que saltavam de cartolas/pastas, equilibristas navegando de maneira instável em uma tênue linha que separa a verdade da ficção. Malabaristas jogavam suas palavras, termos jurídicos, citações filosóficas, tipificações do ato delituoso, atenuantes, impropérios e, lógico, os palhaços, esses artistas incompreendidos e adorados, com suas roupas extravagantes e enormes sapatos que distraem a atenção do público enquanto os funcionários trocam os cenários.

Inútil procurar os fatos, a sagrada verdade, sobre os entulhos de processos e recursos. Ela é o que menos importa, pois no espetáculo “tudo que era vivido diretamente tornou-se uma representação”, nos diz Debord (A sociedade do Espetáculo, Rio de Janeiro, Contraponto: 1997, 13).

O espetáculo é a afirmação da aparência, mas aparência não é falsidade que encobre um real, é a forma necessária de expressão deste real, nos termos de Marx a expressão invertida de um mundo invertido. O fato que origina a ação jurídica tem que se tornar abstrato para ser julgado, ele deixa de ser um ato que fere uma ou outra pessoa, ou as pessoas em seu conjunto como sociedade, mas deve ser tipificado como ação contrária a determinado preceito legal. Na abstração da norma positivada, o fato se vê e se reconhece, ou não, mas não pelo que é em si mesmo, mas pela habilidade dos advogados em reconstruí-lo para que se encontre nos termos abstratos da lei, ou dela destoe.

Desta maneira, o espetáculo jurídico, assim como todo espetáculo, assume uma forma tautológica, uma vez que “seus meios (são), ao mesmo tempo, seu fim” (idem, 17). Quando se chega ao fim do julgamento, a sentença proferida, a justiça é feita. Realiza-se lá, no espaço jurídico, o que deixou de se realizar no campo social onde se deu o fato. Este é o mecanismo primordial da catarse. Na vida tudo é muito complicado, as contas não fecham, nossos amores viram desamores, nossos carros não sobem montanhas, ficam presos no engarrafamento, nosso cigarro vira câncer de laringe; mas, na novela os casais se encontram, normalmente no último capítulo, e, no que nos interessa, os culpados são punidos e a justiça é feita.

É, no entanto, inegável que ao projetarmos a realização do desejo no outro sentimos em nós uma realização indireta. Pulamos de aviões, enfrentamos batalhas, vivemos grandes e avassaladoras paixões, voltamos no tempo e desvendamos os rincões mais distantes do espaço. Talvez, seja esse um elemento do ser social que em si mesmo não é um problema. Nossa projeção nos outros e mesmo a realização de nossos desejos na realização do outro, é próprio da sociabilidade humana, mas não é disso que se trata, mas de uma projeção na qual uma relação entre seres humanos assume a forma de uma relação entre coisas.

O fundamento da catarse é que projetamos para outro a realização de algo que por esse meio deixa de se realizar em nós, assim se aproxima do fenômeno da alienação e do estranhamento. No campo da política tal fenômeno está presente no mito fundador do Estado, tal como descrito pelas mãos de seus precursores contratualistas. Dizia Hobbes:

“Diz-se que um Estado foi instituído quando uma multidão de homens concordam e pactuam, cada um com cada um dos outros, que qualquer homem ou assembleia de homens a que sejam atribuídos pela maioria o direito de representar a pessoa de todos eles (ou seja, de ser seus representante), todos, sem exceção (…) deverão autorizar todos os atos e decisões desse homem ou assembleia de homens, tal como se fossem seus atos e decisões” (Hobbes,Leviatã, cap.XVIII).

Vejam, aqueles que “representam” decidem por nós, em nosso lugar. Os mais otimistas diriam: sim, mas e daí? É um ato legítimo de representação, em nosso nome, portanto, salvaguardando nossos interesses. O que os otimistas (ou ingênuos) não percebem é que a transposição para o universo simbólico e espetacular onde se dá a representação não é apenas a expressão refletida de nossa vontade como vontade geral, a refração que distorce toda representação é que os interesses particulares se apresentam como se fossem universais.

Vamos aos fatos. Vivemos em um presidencialismo de coalizão, isto é, o presidente governa construindo uma sustentação no Congresso (Senado e Câmara de Deputados). A sistemática política funciona no sentido de impor a necessidade de formar bancadas de sustentação entre forças distintas que ocupam, supostamente de maneira proporcional, os postos no legislativo. O meio consagrado de manter estas bancadas, condição essencial à governabilidade, é a troca de favores entre o executivo e o legislativo que pode se dar na divisão de cargos no governo, na aprovação de emendas ao orçamento, no direcionamento das ações públicas para áreas de interesse dos lobbies que os parlamentares representam.

Até aqui, a consciência condescendente de nossa época e a legislação considera legitimo e legal. O ato do espetáculo exige não apenas que os atores que representam atuem como se aquilo fosse o real, mas há a exigência de outra atuação complementar, aquela que impõe ao público que suponha real a atuação dos atores (a menos que estivéssemos diante do distanciamento brechitiano, que não cabe aqui). Assim, os governantes atuam desta forma como se fosse pelo interesse geral e o bom público finge acreditar.

O que os governantes sabem e o bom público também, é que este campo restrito de legalidade é constantemente subvertido por iniciativas que vão além do legal e do legítimo e a troca de favores inclui práticas diretas ou indiretas de corrupção. Longe de ser um desvio ou mau funcionamento de um sistema em si virtuoso, a corrupção é parte integrante e incontornável da forma de governo estabelecida. Mas para o bom andamento do espetáculo, todos temos que fingir que não sabíamos e, público e governantes, se mostrar surpresos (normalmente como mau atores) quando as práticas ilícitas se tornam visíveis.

As campanhas eleitorais, que são o ritual espetaculoso pelo qual se montam as representações governamentais e parlamentares, são fundamentalmente um ato explícito de corrupção e chantagem. Não importa que fira os mais elementares princípios da própria jurídicialidade burguesa. Vejam a distribuição do tempo de televisão (meio que, hoje, se tornou decisivo). Pela lei, ele é distribuído pelo tamanho das bancadas existentes, o que é absurdo uma vez que define uma proporção fundada nas eleições anteriores para um pleito aberto ao futuro e quebra a igualdade como condição da disputa. Tal procedimento abre a negociação pelo tempo em um verdadeiro balcão de negócios onde o que menos vale são programas e compromissos políticos fundados em interesses reais em disputa na sociedade (leia-se “de classes”).

Não se proíbe a mercantilização da política, mas a consciência piedosa de nossa época parece se espantar na hora de pagar pela compra realizada, como o desavisado no bordel se mostrando surpreso por não ter sido por amor. Não é menos corrupção, no exato sentido da palavra, um governo que mantêm as taxas de juros em patamares exorbitantes para atender as promessas de campanha ao setor bancário, ou que dirige as obras públicas em favor das grandes empreiteiras. Ele está pagando favores advindos do financiamento de campanha. Da mesma maneira os recursos oriundos destes financiamentos, sejam registrados e legalizados ou contabilizados no famoso caixa dois, são partilhados entre aqueles partidos e políticos que disciplinadamente mantiveram-se na sustentação do governo.

O PT tem razão em se mostrar indignado. Ele apenas atuou pelas mesmas regras que sempre se atuou no presidencialismo de coalizão, da mesma forma que os governos do PSDB, DEM e PPS, assim como o histórico fisiologismo do PMDB, sempre governaram. Seu engano, entre tantos, foi supor que tinha sido aceito no clube e receberia as mesmas prerrogativas que seus pares mais tradicionais. Acreditou que pelo fato de não abrir a caixa preta do governo FHC e expor as entranhas dos atos ilícitos ali praticados, não diferentes daqueles pelos quais foi julgado, ele seria poupado, numa espécie de crença ingênua de “amor, com amor se paga”, tendo que cantar, ao final, um samba amargurado: “você pagou com traição, a quem sempre lhe deu a mão”.

Havia outro caminho? Esta é uma pergunta difícil. Para aqueles que acreditam que a estratégia política passa pelo suposto controle de governo tal com está definido nos marcos do Estado Burguês, ou seja, aboliram de sua concepção política a noção de ruptura, infelizmente, não. Mas não há inevitabilidade na política. O equívoco maior do PT e de sua estratégia é se prender aos limites da governabilidade burguesa e das amarras do presidencialismos de coalizão. Havia sim oura sustentação política, mas esta se localizava fora do parlamento e dos marcos da institucionalidade burguesa: os movimentos sociais e a organização autônoma da classe trabalhadora.

Essa opção levaria a um governo de tensões e intensificação da luta de classes, opção descartada pelos estrategistas petistas. A opção pela governabilidade com base na adesão (compra) de partidos implicou na aceitação tácita e explícita dos meios necessários para isso que agora são julgados como imorais e ilegais (e são).

Por isso, há uma ironia na última reunião do diretório nacional do PT que aventou a possibilidade de chamar as massas e a militância em defesa do PT contra o STF. Não se pensou em mobilizar as energias militantes e a capacidade de luta da classe trabalhadora quando podia e devia, para impor uma governabilidade que se dirigisse contra os limites da ordem, para sustentar uma reforma política que supera-se as armadilhas da governabilidade viciada estabelecida, para garantir uma reforma agrária, para barrar o desmonte das políticas públicas, para defender a previdência, para barrar os transgênicos e a supremacia do agronegócio. Agora querem que os trabalhadores saiam em defesa do governo contra uma decisão da justiça, da representação suprema de uma ordem política e jurídica a qual o PT se rendeu como limite intransponível. É mais que irônico, é ridículo.

Neste ponto o PT, mais uma vez, se mostrou coerente. Acatou a decisão da justiça e desautorizou as manifestações de massa.

Diz, mais uma vez Debord:

“A alienação do espectador em favor do objeto contemplado (o que resulta de sua própria atividade inconsciente) se expressa assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos compreende sua própria existência e seu próprio desejo” (Debord, op. cit. 24)

Quem produziu espectadores não pode esperar agora que hajam como atores.

Quando morre um palhaço, triste e solitário, com cirrose de tanto beber para enganar a tristeza da vida, o público nem percebe. No picadeiro há outro, com uma grossa camada de maquiagem, com suas roupas coloridas e um sorriso desenhado na cara.  

O espetáculo não pode parar! Respeitável público…

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terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Lógica não serve para nada?


Julio Cabrera

(continuação)
Levando tudo isto em consideração, a minha apresentação da lógica poderia resumir-se nos cinco seguintes itens:

1'. Contra a ultra-generalidade.

Eu creio que a afirmação 1 é falsa. Na escolha dos "termos lógicos" (conectivos, quantificadores, etc) há, ao mesmo tempo, uma escolha do tipo de objeto do qual a lógica se ocupará. O específico tipo de objeto que LF estuda é, por exemplo, um objeto não afetado pela temporalidade, pela causalidade e pelos processos reais, um tipo de objeto totalmente sensível a operações tais como a comutatividade, a contraposição, o destaque, etc. Mas nem todos os objetos do mundo são deste tipo. Por que supor que o "objeto qualquer", com independência dos diferentes âmbitos temáticos, deva ser, por exemplo, um objeto atemporal? Eu diria, pelo contrário, que se faltar a temporalidade, isso prova que a lógica não está tratando com o "objeto qualquer", mas com um tipo peculiar de objeto desprovido de temporalidade.

2'. Contra a adequação.

Eu creio que os contra-exemplos e dificuldades de aplicação que os próprios lógicos freqüentemente encontram na aplicação dos esquemas de LF ao raciocínio ordinário e ao discurso filosófico, têm uma importância maior do que os lógicos estão dispostos a conceder, no seu poder de abalar a habitual (e monótona) apresentação da lógica (se a mesma se pretende analítica e com interesse filosófico). As paráfrases "reduzem", às vezes barbaramente, a variedade das formas dos objetos aos esquemas lógicos pre-determinados. Os artifícios dos quais os lógicos lançam mão para obter o "encaixe" nos esquemas e a relativa arbitrariedade das paráfrases, cheia de decisões cruciais acerca da tradução mais "bem sucedida", mostram que LF é muito mais inadequada do que habitualmente se pensa, e que deveriam ser tiradas as conseqüências disto. Trata-se, por conseguinte, não apenas de insistir nas inadequações, já perfeitamente visualizadas, nem de ficar analisando exemplos avulsos de inadequação, mas de situar a crítica baseada nessas observações num âmbito abrangente e radical de reflexão.

3'. Contra a exclusão das formas lexicais.

Se o que interessa inicialmente são os raciocínios ordinários do tipo que os filósofos fazem, nada mais típico deles do que as conexões entre peças lexicais, num sentido largo (não apenas as conexões "analíticas" estudadas na literatura, mas conexões que estão na interface entre dicionários e enciclopédias, conexões lexicais de variados tipos). Se LF visa um tipo de "generalidade" que deixa totalmente de lado por princípio, como habitualmente é feito, as conexões lexicais como sendo "materiais", terá deixado de lado um dos traços mais interessantes dos raciocínios ordinários. A introdução de estudos formais sobre conexões lexicais talvez deva modificar substancialmente toda a apresentação da lógica, diluindo-se a própria noção de "lógica clássica" como hoje entendida. É falso que as conexões lexicais sejam puramente materiais: os lingüistas e meu colaborador Olavo L.D.S. Filho, na obra escrita em co-autoria Inferências Lexicais e Interpretação de redes de predicados, mostraram que as conexões lexicais podem considerar-se formais à luz de novas análises diferentes das oferecidas por LF, análises que trabalham com redes de peças lexicais, procurando estruturas recorrentes e formalizáveis. Assim, este ponto é a estrita contrapartida do item 1: assim como as formas lógicas usuais de LF não são tão formais e gerais quanto se pretende, as conexões lexicais não são tão materiais e "extralógicas" quanto habitualmente se supõe.

4'. Contra o referencial fixo da "lógica clássica"

Por conseguinte, a construção da teoria lógica, se o nosso interesse primordial for filosófico, poderia iniciar-se a partir das conexões lexicais. O vinculo de, pelo menos, dois predicados, é -se poderia dizer- o ato inaugural da lógica: as conexões intersentenciais e a quantificação poderão vir depois. Se a conexão entre "x é verde" e "x é colorido" é formalmente estabelecida, as conexões entre essas duas sentenças ("x é verde e x é colorido", "x é verde ou x é colorido", Se "se x é verde então "x é colorido", etc) e as generalizações sobre seu conteúdo ("Para todo x, se x for verde, então x é colorido", "Existe um x tal que é verde e colorido", etc) poderão ser derivadas a partir daquela conexão primitiva. Se ela não existir, as sentenças e quantificações não decorrerão. A idéia é que as conexões lógicas usuais (sentenciais e quantificacionais) podem considerar-se como derivadas se suspendermos a proibição de considerar as conexões lexicais como não formais.

5'. Contra a história oficial da lógica.

Como ponto final mas não banal: ao longo de toda a história da filosofia houve numerosos filósofos que tiveram intuições acerca da interação entre formas e conteúdos dentro da constituição da teoria lógica; eles dirigiram críticas à pretensa "máxima generalidade" das estruturas lógicas, tecendo considerações acerca de como os conteúdos poderiam ser formalmente estudados. Hegel, Dewey e Husserl são, por exemplo, três filósofos modernos que construíram teorias lógicas nesse sentido, e foram completamente apagados da história oficial da lógica. Muitos outros filósofos (notadamente, Descartes, Locke e Kant), durante o "período obscuro" onde, habitualmente, se afirma (monotonamente e sem crítica) que "não houve nada de valioso em termos lógicos", tiveram idéias críticas contra a formalidade unilateral da lógica usual (na sua forma aristotélica escolástica ou moderna) e intuições construtivas acerca de outras maneiras de apresentar a lógica. Obviamente, isto da origem a uma história da lógica absolutamente diferente da que temos hoje.
No meu livro de 87, A Lógica Condenada, já se podem encontrar desenvolvimentos de todos estes tópicos. Posteriormente, continuei desenvolvendo minhas idéias e apresentando-as em outros âmbitos geográficos de discussão. Estas idéias foram apresentadas na França e no México com receptividade e interesse. Os textos mais completos sobre estas questões, além dos artigos recentes "Es realmente la lógica tópicamente neutra y completamente general?" e “Redes predicativas e inferências lexicais (Uma alternativa à lógica formal na análise de línguas naturais)”, são os livros 10 e 13 também mencionados no linkEscrevo.

texto completo disponível em: 

segunda-feira, 3 de dezembro de 2012

A Lógica não serve para nada?


Julio Cabrera


Quando comecei, já nos anos 70, no meio das iras dos "lógicos profissionais", a desenvolver as minhas primeiras críticas aos alcances da Lógica formal (LF) como instrumento de análise filosófica, não conhecia os textos de Nietzsche sobre lógica (eu os conheceria somente na década de 90). Mas, curiosamente, tinha já escrito textos nos anos 80 onde afirmava que a minha filosofia da lógica era basicamente "nietzscheana". Questão de instinto. (Lembrar também que no subtítulo de A Lógica condenada. Uma abordagem extemporânea de filosofia da lógica (1987), se utilizava um conceito tão nietzscheano como "extemporâneo"). Na verdade, as minhas críticas formulavam, de maneira mais clara e analítica (ou seja, de maneira menos genial) a idéia fundamental de Nietzsche: o desacordo básico e primitivo entre a linguagem (e as formas lógicas) e o mundo.

A característica mais evidente das introduções à lógica é a sua monotonia. A teoria lógica elementar é apresentada como uma doutrina consolidada, sem nenhuma crítica incisiva contra qualquer aspecto de sua exposição padrão. Não quero dizer (o que seria factualmente falso) que a lógica clássica não seja contestada, expandida ou minguada, pois é isso, precisamente, o que fazem as lógicas "não-clássicas". O ponto é que todas as contestações, expansões ou diminuições tomam a "lógica clássica", inevitavelmente, como ponto de referência (já na própria denominação de "não-clássico"). A lógica clássica deve ficar perfeitamente estabelecida para que todos esses "desvios" possam ser formulados.

Todas as introduções à lógica seguem exatamente o mesmo esquema: capítulos iniciais sobre a noção de "lógica" e de "argumento", esclarecimentos acerca de "distinções essenciais" (verdade e validez, uso e menção, etc), algumas noções de teoria de conjuntos, algumas informações sobre a história oficial da lógica, alguma apresentação do cálculo de sentenças e as tabelas de verdade, outra do cálculo de predicados de primeira ordem, um capítulo sobre dedução, e capítulos finais sobre o sistema da identidade, algo de meta-lógica, talvez alguma coisa sobre sistemas não-clássicos ou aplicações da lógica na ciência ou na linguagem comum. Variados números de exercícios, às vezes com soluções. (Como os 4 evangelhos, todos diferentes, mas todos contando a mesma história).

Por minha parte, não consigo expor a "lógica elementar" sem tropeçar continuamente com graves inconvenientes de concepção, com noções que me parecem duvidosas, com formulações com as que não posso concordar. Simplesmente não consigo avançar além das duas ou três primeiras páginas. Para explicar isto melhor, relaciono a seguir algumas das coisas que cansativa e rotineiramente se dizem acerca desta disciplina, e cuja problematização tem constituído a minha filosofia da lógica:

1. A idéia de que a lógica é completamente geral, não se referindo a nenhum tipo de objeto em particular; todos os objetos, seja qual for seu contexto ou o tipo de matéria de que se trate, seriam afetados pelas leis da lógica, pelo fato destas serem completamente gerais e do mais alto grau de formalidade. Isto fica claro toda vez que se salienta que os conteúdos dos raciocínios não interessam, que a matéria pode ser qualquer uma, que um raciocínio pertencente a qualquer domínio temático deverá submeter-se às leis da lógica. Significa que a lógica, na sua generalidade, refere-se a uma espécie de "objeto qualquer".

2. A idéia de que, na aplicação da lógica aos raciocínios ordinários, deve conceder-se que o instrumento lógico tem, certamente, limites, mas que fazendo certos esforços para construir paráfrases, os raciocínios ordinários acabarão "encaixando", de maneiras mais ou menos naturais, dentro dos esquemas da lógica, e que a sua validez pode ser avaliada pelos seus métodos. É hoje um lugar comum que os lógicos reconheçam as muitas limitações analíticas do aparato formal fornecido por LF: não há livro que não assinale para dificuldades, inconvenientes e limitações da análise lógica. Sustento, entretanto, que não se dimensionam corretamente os alcances destes problemas, e a sua importância para as relações da lógica com a análise filosófica. (O problema, então, não é de observação de dados, mas de reflexão acerca deles).

3. A idéia de que todas as conexões lexicais (advogado/profissional, fechado/aberto, solteiro/casado, etc) devem ficar fora do escopo da lógica precisamente por não serem gerais, nem estritamente formais, mas conexões baseadas em considerações "de conteúdo". Para LF é absolutamente óbvio que a passagem inferencial de, digamos, "x é verde" para "x é colorido", ou de "x é advogado" para "x tem uma profissão", etc, não são passagens lógicas, pois elas não são formais, mas dependentes do significado dos termos empregados.

4. A idéia de que a lógica elementar tem uma parte puramente sentencial, onde se opera com unidades indecomponíveis, e uma parte quantificacional, onde se opera com uma "análise interna de sentenças". Seja que se comece a exposição pela parte sentencial e se acrescente depois a parte quantificacional, seja que se apresente a lógica de primeira ordem com a sentencial já como sub-parte, de qualquer forma trata-se de dois setores da lógica que devem ser expostos como estruturas completamente estáveis e objetivas. (Tão forte é esta articulação sentencial/quantificacional que ela afeta inclusive às lógicas "divergentes": temos uma lógica modal sentencial e uma lógica modal quantificacional, uma lógica paraconsistente sentencial, uma lógica paraconsistente quantificacional, etc).

5. A idéia de que a lógica foi criada por Aristóteles, deu um "cochilo" durante vários séculos, e foi redescoberta por Frege no século XIX, sem nada ter havido de importante nos séculos intermediários. (Como curiosidade expositiva notável, e prova da mencionada monotonia, não conheço quase nenhuma história oficial da lógica que não se refira à famosa afirmação de Kant sobre a lógica ter nascido já acabada da mente de Aristóteles, como sendo um tremendo erro de apreciação. Nunca vi, em nenhum lugar, o menor esforço para tentar compreender o sentido da frase do grande filósofo).
Eu vejo nesta monotonia um dos traços característicos do filosofar acadêmico profissionalizado do século XX. Filosofa-se segundo palavras de ordem da "comunidade", através de exposições padronizadas, sem qualquer aceno para uma visão crítica e abridora de caminhos. A "comunidade" de filósofos (e de lógicos!) tomou o lugar da autoridade e da censura, em lugar do Estado ou da Igreja, como ainda no século XIX. Quando a uniformidade monótona é internalizada pela comunidade, os mecanismos de censura externa se tornam desnecessários, e cria-se uma falsa impressão de liberdade intelectual.
Eu creio haver algo de verdadeiro na idéia de que LF se afastou da filosofia, ainda que não concorde com os argumentos e observações dos filósofos tradicionalistas quando falam acerca deste assunto. Meu ponto de partida, na minha própria formulação das questões lógicas, é a busca de uma teoria lógica – semi-formal ou informal - que seja de interesse primordial para o filósofo, tal como concebido no link Filosofia, ou seja, para alguém interessado em pensar e refletir ao longo de um continuum de possibilidades, onde a análise lógica é um dos pólos e a existência humana o outro. Se o que nos interessa é o estudo lógico-analítico de raciocínios daqueles que o filósofo faz, a preocupação central da teoria lógica poderia não ser a "máxima generalidade" ou a "formalidade de mais alto nível", mas a generalidade e formalidade que sejam adequadas ao estudo daqueles raciocínios.
(continua)

para ler o texto completo:

quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Heráclito e seu Discurso


1.1  – VIGÍLIA E SONO

Donaldo Schuler

Heráclito, ao dizer que o oráculo de Delfos não declara nem oculta mas significa, define, com certeza, o seu próprio discurso. Sentindo a insuficiência do sistema lingüístico para desvendar o mistério do mundo, desenvolveu uma linguagem ambígua, alusiva, multissignificativa, apta a apanhar a complexidade da realidade apenas entrevista, discurso que gera outros discursos em corrente sem fim determinável.

Traduzir Heráclito é entrar num jogo em que as imagens se multiplicam, jogo de ondas, efêmeras, vivas. A infidelidade necessária da tradução abre distâncias em que os significados cambiantes se movem, cavando leitos imprevistos no fluir universal. Entremos no jogo sem detê-lo, sem receio de deslizes, mas com a firme determinação do lance adequado.

Embora seja este o discurso, sempre, os
homens tardam, não só antes de ouvi-lo, como
logo que o ouviram; pois, mesmo que todas
as coisas aconteçam de acordo com este discurso,
mostram-se semelhantes a inexperientes
ao experimentarem tais palavras e atos que
eu persigo segundo a natureza distinguindo
cada coisa e mostrando como ela é. Mas os
outros homens ignoram o que fazem depois
de acordarem, como esquecem o que fazem
dormindo (B1)

Que discurso é esse que não redime os homens da ignorância? Que fazer com o advérbio aei (sempre)? Os homens sempre tardam ou o discurso sempre é? Por que decidir o que Heráclito quer indeciso? Conservemos sempre na indecisão; na indecisão sempre declara a continuidade do acontecer e do permanecer aquém. Discurso? O universal ou o de Heráclito? Provoquemos, atentos ao pensador, a convergência de interpretações divergentes. Nosso discorrer se resolve no estar aquém não só do Discurso, o Discurso dos discursos, como também dos discursos em curso (o de Heráclito e o de outros) antes e depois de os termos ouvido. O Discurso e os discursos excedem-nos como processo de organização. Na impossibilidade e na obstinação de os alcançar, produzimos novos discursos, que no excesso têm o destino dos primeiros, e continuamos irremissivelmente imersos no acontecer da ignorância. Tardos, acontecemos na ignorância e fazemos a ignorância acontecer, o nosso inapelável caminho. Chegamos a estas reflexões, derivando o adjetivo aksynetos (tardo), de a-ksyn-iemai (não ir com, não acompanhar, ficar aquém da verdade, ouvir o apelo do Discurso sem entendê-lo. O adjetivo verbal em -tos só existe em derivados; aksynetos é um que não se apressa, não deseja empreender.) Como sempre, discurso é ambíguo, tanto pode ser o Discurso dos discursos como pode designar um dos discursos, o de Heráclito, por exemplo. Observe-se, entretanto, a diferença entre um discurso e o Discurso. Um discurso e o Discurso não coincidem, nem se repelem. O Discurso atravessa cada um dos discursos; neles o vemos e o perdemos. Não acontecemos apenas nós, também as coisas acontecem de acordo com o Discurso, acordo que não é coincidência, acordo que vem de desacordos sem os quais nenhum acordo se veria celebrado.

A inexperiência no Discurso não significa a falta de iniciação em qualquer discurso. O apego indevido a discursos retarda o acesso ao Discurso. Há discursos que prendem, fecham a passagem a outros discursos. São assim os discursos míticos na vigência do mito. Heráclito pensa, quem sabe, nos devotos aos mundos criados por Homero e Hesíodo. Palavras (epea) são epopéias? Atos (erga) são ritos através dos quais o homem procura passagem ao que o excede? O discurso de Heráclito agride como exposição, propõe o que outros discursos retêm. Se discursos têm a virtude de expor, não lhes falta a tenebrosa qualidade de impor, contradição alojada no bojo da exposição. Nenhum discurso retém a exposição sem prejuízo. Heráclito ataca a crosta endurecida de discursos que, negando-se como tais, tendem a absolutizar-se, evadidos do fluxo. O pensador afronta as couraças para surpreender o que elas encobrem. Faz-se obscuro para desencadear o que vive nas sombras, a natureza que acontece e faz acontecer. A forma verbal diegeumai ou diegeomai (persigo), derivada de hegemon, chefe de tropas, tem ressonância militar. Isso não surpreende num autor para quem o conflito é o pai de todas as coisas. Adversário de Homero, Heráclito apresenta-se como diegeta, narrador épico de uma campanha de que ele próprio é protagonista. O exército que o acompanha terá que distinguir (diaireon) em unidades forças conflitantes. Nessa empresa, todos são inexperientes já que procedem de um mundo, o mítico, em que se raciocinava diferentemente. Os que marcham avançam como quem desperta. Heráclito dispõe-se a dizer como as coisas são, desfeito o véu da noite que as revestia. Os que o ouvem devem contentar-se, entretanto, com uma exposição lenta, visto que o expositor não apresenta como os aedos fatos concluídos. Heráclito expõe as coisas à medida que as descobre. Mesmo assim, não as dá como prontas. Para acompanhar a exposição cada ouvinte terá que rever o que lhe é mostrado. Os resultados da investigação de homens que despertam só tocam a despertos. O método é revolucionário: em lugar do passado, o presente, investigação em lugar de cantos conclusivos, tarefa em andamento de que se ignora o fim. Do canto e da dança vai-se à fala, ao andar atento; do dizer das musas, ao Discurso – sem sujeito nem objeto –, o de sempre, fonte de todos os discursos.

Redimidos de narrativas míticas e de cerimônias rituais, palavras e atos são cuidadosamente examinados. Ao contrário dos pensadores preocupados em refletir sobre o fundamento, Heráclito detém-se naquilo que nos toca os ouvidos, os olhos, a língua, a pele. O sentido encontra-se no que sentimos. Quem fala não enuncia as regras que tornam o enunciado inteligível, entretanto, a gramática está presente em cada partícula do que dizemos. A gramática é o discurso. Como existem gramáticas regionais dentro da gramática geral, há o Discurso e os discursos. O universo de Heráclito é vivo, coisas meramente coisas não há. Todas as coisas e todas as palavras são atos: atos de fala, atos do Discurso. O discurso de Heráclito tem a vantagem de vencer as fronteiras do discurso particular em direção ao Discurso que excede todos os discursos e os apóia, Discurso oculto na natureza que oculta. Atento ao discurso, tanto o já muitas vezes dito quanto o ainda não proferido, Heráclito empreende o exame. O Discurso gera o que é e o que se diz. Gerando, restaura o movimento daquilo que propendia à rigidez letal.

Outros homens, não despertos como Heráclito, dormem no sono e na vigília. Afundados no sono, escapam-lhes as experiências cotidianas e suas urgências. Não vivem adormecidos os que buscam em agentes míticos explicação para os eventos? Acordados,
agem como se nada vissem. Com que motivo considerar desperto o homem que cuida apenas dos seus interesses sem procurar compreender o mundo como um todo, sem prestar atenção à relação entre as inumeráveis experiências cotidianas? Não contentes com palavras, os despertos perguntam pela gramática. A gramática só se desvela a vigilantes. Só eles podem avaliar, julgar, dizer.

terça-feira, 27 de novembro de 2012

Imaginação e Metáfora


Paul Ricoeur



2. Teoria da metáfora

Para compreender correctamente o trabalho da imaginação na metáfora, é necessário lembrar de modo breve a mutação interveniente na teoria semântica da metáfora em contraste com a tradição da retórica clássica. Nessa tradição, a metáfora era correctamente definida como um desvio de sentido, mas esse desvio era atribuído apenas à denominação: em lugar de dar a uma coisa o seu nome usual, comum, designamo-la por um nome emprestado, transferido (meta-fora) de uma coisa estranha para a coisa à qual o nome faz falta. A razão dessa transferência de nome, segundo Aristóteles que foi o primeiro a fazer a teoria da metáfora, supunha-se ser a semelhança objectiva entre as próprias coisas ou a semelhante subjectiva
entre as atitudes que se reportam à compreensão das coisas. Quanto à finalidade dessa transferência, pressupunha-se que ela supria uma lacuna lexical e, consequentemente, servia o princípio de economia que governa a atribuição de nomes a coisas novas, a novas ideias, a experiências novas ou, mais naturalmente e mais frequentemente, juntava um ornamento ao discurso e assim servia a intenção maior do discurso retórico que é a de persuadir agradando. Podemos caracterizar a teoria clássica da metáfora, saída de Aristóteles, como teoria da substituição.
A metáfora recebeu, nos últimos trinta anos, da parte dos lógicos e dos críticos literários de língua inglesa, um tratamento novo e completamente original que podemos colocar sob o título de teoria da interacção. Segundo esta análise nova, à qual se liga o meu próprio trabalho sobre a metáfora viva, o portador da operação metafórica não é já a palavra tomada isoladamente, mas a frase considerada como um todo: «a natureza é um templo em que vivos pilares…». A metáfora é a expressão completa que aproxima «natureza» e «templo» e constrói o complexo novo «pilares vivos». O processo de interacção não consiste em substituir uma palavra por outra – o que estritamente define apenas a metonímia – mas em combinar de modo novo um sujeito lógico e um predicado. Se a metáfora contém qualquer desvio – esse traço não é negado, mas descrito e explicado de maneira nova – o desvio diz respeito à própria estrutura predicativa. Desde logo, a metáfora consiste menos numa denominação desviante do que numa predicação desviante ou, como se disse, «bizarra». Começamos a entrever o papel que pode desempenhar a semelhança e, do mesmo modo, a imaginação, se examinarmos como procede esta predicação desviante. Jean Cohen, em Estrutura da linguagem poética, designa esse desvio com o termo de impertinência semântica, para caracterizar a violação do código de pertinência que regula a atribuição dos predicados no uso ordinário. O enunciado metafórico opera a redução desse desvio sintagmático, estabelecendo uma nova pertinência aceite pelo auditor ou pelo leitor. Essa nova pertinência, por seu lado, é assegurada pela produção de um afastamento lexical, logo um desvio paradigmático, precisamente aquele que era descrito pelos retóricos clássicos. A retórica clássica não era, neste sentido, falsa; descrevia apenas o efeito de sentido ao nível da palavra e desconhecia a produção dessa viragem semântica no seu ponto de origem, a operação predicativa. Se é verdade que o efeito é centrado na palavra, a produção de sentido é suportada pelo enunciado inteiro. É desta forma que a teoria da metáfora gira em torno da semântica da frase e não da palavra.
O papel da imaginação na metáfora aparece quando, não contente em sublinhar a incongruência da predicação nova e o desvio de sentido ao nível das palavras pelas quais tentamos reduzir essa incongruência, fixamos a nossa atenção na emergência de nova congruência a partir das ruínas da que se dissolveu, sob os golpes da impertinência semântica: pilares não estão vivos no código das classificações usuais. Trata-se de compreender como chegamos a receber a predicação bizarra: «pilares vivos» como nova pertinência, apesar da sua incongruência de acordo com o uso comum.
Para este efeito, a imaginação, parece-me operar a três níveis diferentes.

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domingo, 25 de novembro de 2012

O mito de Sísifo


 Albert Camus

O absurdo e o suicídio

Só existe um problema filosófico realmente sério: é o suicídio. Julgar se a vida vale ou não a pena ser vivida é responder à questão fundamental da filosofia. O resto, se o mundo tem três dimensões, se o espírito tem nove ou doze categorias, aparece em seguida. São jogos. É preciso, antes de tudo, responder. E se é verdade, como pretende Nietzsche, que um filósofo, para ser confiável, deve pregar com o exemplo, percebe-se a importância dessa resposta, já que ela vai preceder o gesto definitivo. Estão aí as evidências que são sensíveis para o coração, mas que é preciso aprofundar para torná-las claras à inteligência.
Se me pergunto em que julgar se uma questão é mais urgente do que outra, respondo que é com as ações a que ela induz. Eu nunca vi ninguém morrer pelo argumento ontológico. Galileu, que detinha uma verdade científica importante, abjurou-a com a maior facilidade desse mundo quando ela lhe pôs a vida em perigo. Em um certo sentido, ele fez bem. Essa verdade valia a fogueira. Se for a Terra ou o Sol que gira em torno um do outro é algo profundamente irrelevante. Resumindo as coisas, é um problema fútil. Em compensação, vejo que muitas pessoas morrem por achar que a vida não vale a pena ser vivida. Vejo outras que paradoxalmente se fazem matar pelas ideias ou as ilusões que lhes proporcionam uma razão de viver (o que se chama uma razão de viver é, ao mesmo tempo, uma excelente razão de morrer). Julgo, portanto, que o sentido da vida é a questão mais decisiva de todas. E como responder a isso? A respeito de todos os problemas essenciais, o que entendo como sendo os que levam ao risco de fazer morrer ou os que multiplicam por dez toda a paixão de viver, provavelmente só há dois métodos para o pensamento: o de La Palisse e o de Don Quixote. É o equilíbrio da evidência e do lirismo o único que pode nos permitir aquiescer ao mesmo tempo à emoção e à clareza. Em um assunto simultaneamente tão modesto e tão carregado de patético a dialética clássica e mais sábia deve, pois dar lugar — convenhamos — a uma atitude intelectual mais humilde e que opera tanto o bom senso como a simpatia.
O suicídio sempre foi tratado somente como um fenômeno social. Ao invés disso, aqui se trata, para começar, da relação entre o pensamento individual e o suicídio. Um gesto como este se prepara no silêncio do coração, da mesma forma que uma grande obra. O próprio homem o ignora. Uma tarde, ele dá um tiro ou um mergulho. De um administrador de imóveis que tinha se matado, me disseram um dia que ele perdera a filha há cinco anos, que ele mudara muito com isso e que essa história “o havia minado”. Não se pode desejar palavra mais exata. Começar a pensar é começar a ser minado. A sociedade não tem muito a ver com esses começos. O verme se acha no coração do homem. É ali que é preciso procurá-lo. É preciso seguir e compreender esse jogo mortal que arrasta a lucidez em face da existência à evasão para fora da luz.


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quinta-feira, 22 de novembro de 2012

O mundo como vontade e representação



Arthur Schopenhauer
Livro III



Apresentado no primeiro livro como pura representação, objeto para um sujeito, consideramos o mundo no segundo livro por sua outra face e verificamos como esta é vontade, que unicamente se mostrou como o que aquele mundo é além da representação; em conformidade, denominávamos o mundo como representação, no todo ou em suas partes, a objetividade da vontade, quer dizer: a vontade tornada objeto, i.e. representação. Recordamos também que tal objetivação da vontade possuía graus numerosos, porém determinados, em que, com clareza e perfeição gradualmente crescente, a vontade surgia na representação, i.e. se apresentava como objeto. Reconhecíamos as ideias de Platão em tais graduações, na medida em que estas são as espécies determinadas, ou as formas e propriedades invariáveis originárias de todos os corpos naturais, orgânicos ou inorgânicos, como também as forças genéricas se manifestando conforme leis naturais. Tais ideias, portanto, se manifestam em indivíduos e particularidades inumeráveis, comportando-se como modelo para estas suas imagens. A multiplicidade de tais indivíduos é concebível unicamente mediante o tempo e o espaço, seu surgir e desaparecer unicamente mediante a causalidade, em cujas formas reconhecemos somente as diversas modalidades do princípio de razão, princípio último de toda finitude, toda individuação, forma geral da representação, tal como esta se dá na consciência do indivíduo como tal. A ideia, porém, não se submete àquele princípio: por isto não experimenta pluralidade nem mudança. Enquanto os indivíduos em que se manifesta são inumeráveis e nascem e perecem incessantemente, ela permanece invariavelmente a mesma, e para ela o princípio de razão não possui significado algum. Mas como este é a forma sob a qual se encontra todo conhecimento do sujeito, enquanto este conhece como indivíduo, assim as ideias se localizarão totalmente fora da esfera do conhecimento do sujeito como tal. Portanto, se as ideias devem se tornar objeto do conhecimento, a condição é a supressão da individualidade no sujeito cognoscente. Esclarecimentos mais acurados e pormenorizados sobre este assunto nos ocuparão a seguir.

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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Saqueadores, uni-vos!


Por: Slavoj Zizek

A repetição, diz Hegel, desempenha um papel crucial na história: quando algo acontece uma vez apenas, pode ser visto como simples acidente, algo que poderia ter sido evitado se a situação tivesse sido tratada de outra maneira; mas, quando o mesmo fato se repete, é sinal de que um processo histórico mais profundo está em ação.
Quando Napoleão foi derrotado em Leipzig, em 1813, pareceu que tinha sido azar; quando ele voltou a ser derrotado em Waterloo, ficou claro que seu tempo acabara.
A mesma coisa aplica-se à crise financeira contínua. Em setembro de 2008, foi descrita como uma anomalia que poderia ser corrigida com uma melhor regulamentação etc.; agora, o acúmulo de sinais de um derretimento financeiro repetido deixa claro que estamos diante de um fenômeno estrutural.
Embora os recentes tumultos no Reino Unido tenham sido desencadeados pela morte em circunstâncias suspeitas de Mark Duggan, todo mundo concorda que eles exprimem um mal-estar mais profundo – mas de que tipo?
Como no caso dos incêndios de carros na periferia de Paris em 2005, os saqueadores no Reino Unido não tinham mensagem clara a transmitir.
É por isso que é difícil conceber os participantes nos tumultos no Reino Unido em termos marxistas, como, por exemplo, a emergência do sujeito revolucionário; eles cabem muito melhor na noção hegeliana da “turba”, os que se si­tuam fora do espaço social organizado, que podem exprimir sua insatisfação apenas por meio de explosões “irracionais” de violência destrutiva – o que Hegel chamou de “negatividade abstrata”.
Nos é dito que a desintegração dos regimes comunistas no início dos anos 1990 assinalou o fim das ideologias. Se o truísmo de que vivemos em uma era pós-ideológica é verdadeiro em qualquer sentido, isso pode ser visto nessa explosão recente de violência. Foi uma ação violenta que não reivindicou nada.
O fato de os manifestantes não terem um programa é, portanto, um fato a ser interpretado em si mesmo: ele nos revela muito sobre nosso dilema ideológico-político e sobre o tipo de sociedade em que vivemos: uma sociedade que celebra a escolha, mas na qual a única alternativa disponível ao consenso democrático é a violência cega.
A oposição ao sistema não pode mais se articular na forma de uma alternativa realista ou mesmo de um projeto utópico – pode apenas assumir a forma de uma explosão destituída de sentido. De que adianta nossa tão celebrada liberdade de escolha quando a única escolha é entre jogar segundo as regras e a violência (auto)destrutiva?
Talvez este seja um dos maiores perigos do capitalismo: embora, pelo fato de ser global, abarque o mundo inteiro, ele sustenta uma constelação ideológica “sem mundo” na qual as pessoas são privadas de suas maneiras de localizar sentido.


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sexta-feira, 2 de novembro de 2012

REUNIÃO DO D.A, 01/ 11/12


              
ATA DA REUNIÃO 

Informes: Semana de filosofia e abertura das inscrições. 

Pauta: 

Eleições para representante discente para o colegiado. 

Xerox e modulo 

Votado: 

*Eleições abertas para todos os alunos do curso de filosofia interessados na representação estudantil no colegiado. 

*O comitê responsável para organizar a eleição será o D.A. 

* Na próxima quinta-feira reunião no D.A às 17h para que um representante de Historia e Geografia esclareçam a proposta dos módulos e explique sua historia , para que os estudantes de filosofia passam votar com propriedade. 

* Simone ficou responsável de conversar com o D.A de Historia e Geografia.

-Chapa Integração Kinesis-

quinta-feira, 1 de novembro de 2012

Reunião


O Diretório Acadêmico de Filosofia da UEFS convoca todos representantes e demais estudantes para uma reunião a ser realizada no dia 01 de Novembro de 2012, (Quinta-feira), com início previsto para as 17:00 na sala do D.A. (MP 74):

Reunião (17:00):

Pautas:

Informes;
Eleição para representantes discentes no colegiado;
Xérox e módulos;
O que ocorrer.


Atenciosamente,

Diretório Acadêmico de FilosofiaGestão Integração Kinesis

sexta-feira, 5 de outubro de 2012

Reunião

O Diretório Acadêmico de Filosofia da UEFS convoca todos estudantes, em especial os representantes de turma e os representantes de filosofia no departamento para uma reunião a ser realizada no dia 08 de Outubro de 2012, (Segunda-feira), com início previsto para as 17:00 na sala do D.A. (MP 74):


Reunião (17:00):

Pauta:

1. Informes:
- Representantes de turma;
- Representantes de departamento (filosofia);
2. Participação estudantil;
3. Participação das representações;
4. O que ocorrer

quarta-feira, 3 de outubro de 2012

Brevíssimo e grosseiro ensaio sobre O Príncipe de Nicolau Maquiavel.

* O ensaio que será disponibilizado a seguir é meramente um texto com pouca confiabilidade, que jamais poderá substituir a leitura do livro, muito menos uma interpretação própria sobre a obra, o objetivo dele aqui é tão simplesmente dar material ao Blog.
Vinicius Pimentel Ferreira


"A Fortuna Favorece os Audazes – O Príncipe, Nicolau Maquiavel  

 Maquiavel, em seu livro O Príncipe, parece demonstrar que um governante irá deparar-se sempre com a fortuna, e este deve sempre estar apto, cheio de virtú, para poder lidar com esta potência que nos dias atuais muito nos faz lembrar a sorte, mas para falar a cerca disto, é preciso entender o conceito de tais termos dado pelo próprio Nicolau, na esperança de que, não se venha a cometer algum engano.
No capitulo XXV DE QUANTO PODE A FORTUNA NAS COISAS HUMANAS E DE QUE MODO SE LHE DEVA RESISTIR. (QUANTUM FORTUNA IN REBUS HUMANIS POSSIT, ET QUOMODO ILLI SIT OCCOREN DUM). O autor insinua que em parte concorda com a opinião geral de que a fortuna assim como Deus, governa o nosso mundo, mas considera também que uma vez que os homens portam o livre arbítrio, estes também possuem parte nesse governo e mesmo que este poder seja pequeno, os homens não ficam totalmente sujeitos a ação desta governante do mundo, podendo, quando possível, exercer nossa própria vontade através da virtú, mesmo que essa vontade vá de contra os caprichos da fortuna.

                            “aquele que menos se apoiou na fortuna
                                reteve o poder mais seguramente.”(Capitulo VI, parágrafo 2 )

Necessitando um príncipe, pois, saber bem empregar o animal, deve este tomar como modelo a raposa e o leão.” (Capitulo XVIII, parágrafo 3)
 Um homem repleto de virtú não se acomoda nos tempos da bonança, como fazem a maioria, na ilusão que as tempestades jamais virão¹, ao contrario disto, está sempre atento, e sabe que se num momento a fortuna lhe sorri, outra hora colocar-se-á contra ele, este deverá estar preparado a moldar-se ao novo momento de infortúnio e impedir que a má sorte lhe derrube, quando este já a tiver contra si, precisará como em todos os momentos de governo, ser uma raposa, astuta e com seus atentos ouvidos não se deixar pegar de surpresa, preocupar-se em perceber os problemas o mais rápido possível, quando ainda estão remediáveis, mas ser raposa apenas não basta, deve ter a força e a majestade do leão, que com comedida ferocidade destrói os que lhe opõem, livrando-se assim de pequenas desordens e por conseqüência ganha também o temor dos que um dia poderia ter como inimigos, pois estes invejosos e/ou insatisfeitos evitarão sofrer o mesmo destino.
as ofensas devem ser feitas todas de uma só vez, a fim de que, pouco degustadas, ofendam menos, ao passo que os benefícios devem ser feitos aos poucos, para que sejam melhor apreciados” ( Capitulo III, parágrafo 8)
Mas como foi dito, o ato "leonino"(de leão já supracitado) dever ser moderado, bem pensado, pois o governante que age apenas pela força corre o risco de ser odiado, e um príncipe ‘virtuoso’ percebe que, como os homens não esquecem as pequenas ofensas, estarão sempre esperando oportuno momento de vingança, este momento não deverá ser dado, ao causar uma ofensa, que ofenda de forma que contraposição não possa ser temida, o infortúnio que precisa ser causado deve ser definitivo e rápido a fim de que, a fortuna não encontre brecha para lhe ferir.
Creio, ainda, seja feliz aquele que acomode seu proceder na natureza dos tempos, da mesma forma que penso seja infeliz aquele que, com o seu proceder, entre em choque com o momento que atravessa.” (Capitulo XXV, parágrafo 3)
 Segundo Maquiavel a maior parte dos homens, em suas ações, seguramente possuem semelhante objetivo, ou seja, a glória e a riqueza, mas para alcançá-los recorrem a diferentes modos de agir, e mesmo dois governantes agindo de forma inversa, com efeito, podem alcançar o mesmo fim, pois se adaptaram a natureza de seu tempo, ou seja, moldaram-se a ação da fortuna. E aos que recorreram ao mesmo modo de ação em situações parecidas, tendo um fracassado e outro saído vitorioso, dá-se que um teve a fortuna como apoio e outro não, ou ainda, ambos não a tiveram ou tiveram, mas a um faltou a virtú.
Um príncipe prudente, portanto, sempre tem fugido a essas tropas para voltar-se as suas próprias forças...” (Capitulo XIII, parágrafo 4)
 “Deve o príncipe, portanto, não desviar um momento sequer o seu pensamento do exercício da guerra” (Capitulo XIV, parágrafo 3)
Não deve um príncipe², pois, tornar-se efeminado, abrir mão da força, já que, geralmente, os príncipes voltados a modos mais delicados que guerreiros, perdem o Estado, uma vez que é através da própria arte de guerrear é que se conquista um. E que as armas que tiver a seu uso, sejam suas e de ninguém mais, pois não se deve confiar em tropas mercenárias, que não estarão dispostas a morrer por tua terra e ainda não são eficazes, uma vez que lucram com a ação da guerra, farão com que esta caminhe a passos curtos, estes para um bom governo são inúteis, nem garantir-se em tropas auxiliares, pois não só ficará limitado a virtú e fortuna de outros como uma vez que perca a guerra estarás perdido e caso ganhe estará sempre em divida com a bandeira que tal tropa é fiel. O Príncipe deve deixar seu exercito sempre preparado, em constante treino, não obstante , como já foi dito acima, mesmo que esteja em tempos de paz, os tempos de guerra podem estar bem à frente, e deve-se sempre, estar preparado e não contar com a fortuna.

Considero que seja melhor ser impetuoso do que dotado de cautela, porque a fortuna é mulher e conseqüentemente se torna necessário, querendo dominá-la, bater-lhe e contrariá-la; e ela mais se deixa dominar por estes do que por aqueles que procedem friamente. A Fortuna, porém, como mulher, sempre é amiga dos jovens, que são menos cautelosos, mais afoitos e com maior audácia a dominam.” ( Capitulo XXV, parágrafo 9)
  O bom governante²,deve estar sempre em movimento, jamais acomodado, como fazem os velhos cansados em suas cadeiras, deve-se sempre se adaptar para derrubar as barreiras da fortuna, pois caso esta venha tentar impedi-lo, possa ser rápida e audaciosamente conquistada, pois somente os homens de ação, os homens que exercitam a guerra, têm tal virtú, deliberam e agem, pois uma vez que muito pensam, pouco fazem, os problemas tornam-se maiores, e por conseqüência não mais passiveis de solução. Assim, se a fortuna vence, levará a desgraça aquele que não souber opor-se a ela, mas como uma mulher libidinosa estará, também, sempre ao lado dos que arriscam e são atenciosos, dos que são fortes e astuciosos, e principalmente daqueles que possuem a riqueza e a glória."


O Príncipe de Maquiavel (download)