terça-feira, 16 de julho de 2013

Manifestações de Junho e Reforma Política #3


Laurenio Sombra

(continuação)
Mas o que pode resultar de tudo isso? Naturalmente, é imprevisível o resultado. Pode ser, como alguns temem, que as manifestações ganhem um caráter cada vez mais difuso ou, pior, ganhe cores até mesmo reacionárias. Mas com a força que elas apresentaram não custa desejar que comecem a lutar por pautas específicas, mas legítimas. E entra, rapidamente, a “proposta” que prometi no título desse ensaio. Se o único ponto que unifica a difusão das manifestações é o incômodo político, uma pauta que poderia unificar as energias seria exatamente de uma reforma política. Creio que uma reforma política teria de atacar, acima de qualquer ponto, ao menos dois elementos essenciais.
O primeiro é o financiamento privado de campanhas. O pressuposto de um sistema efetivamente democrático é de que candidatos e partidos sejam representantes da população que os elege. O financiamento privado cria, na prática, uma espécie de “dupla representatividade”.  Por qual motivo empresas e grandes empresários financiam a campanha de determinados candidatos e partidos, senão pelo fato de que esperam algo em troca? Esse “algo” pode ser lícito ou ilícito, mas dificilmente será legitimo, uma vez que um princípio básico da administração pública, a impessoalidade, já foi previamente rompido desde o financiamento. Somado a isso, as propagandas políticas ganharam caráter tão comercial, com grandes campanhas midiáticas e grandes investimentos em empresas de marketing, que o candidato que não tiver tal financiamento já está, desde o início, em forte desvantagem na campanha, independente da qualidade de suas propostas e da potencial ressonância delas junto à população. O financiamento público exclusivo das campanhas políticas me parece elemento essencial para que o poder econômico reduza a sua capacidade de intervenção na política. Para quem alega, não sem algum cinismo, que nada mudaria, pois isso não impediria o “caixa dois”, eu respondo que o financiamento público deve ser acompanhado de regras eleitorais que reduzam a possibilidade de “espetacularização” das campanhas (como caríssimos “showmícios” e produções televisivas). Medidas como essas não evitariam, de todo, mas evitariam mais. O outro aspecto é que a criminalização do financiamento privado colocaria financiadores e políticos desviantes em condição mais fragilizada que no “caixa dois” atual.
Outro elemento essencial é a necessidade de transformação da matemática eleitoral. É fundamental, para que o poder legislativo seja minimamente representativo, que haja uma simplificação das regras de modo que permita uma identificação maior do eleitor com o candidato/partido votado, e que seja permitido a ele algum nível de acompanhamento, bem ao candidato/partido uma sensação de ser mais vigiado, como já acontece com o poder executivo. Aqui, há divergências sobre caminhos a trilhar. Pessoalmente, sou favorável e acho que ainda não foi compreendida a proposta, que já surgiu no Congresso e já é realidade em outros países, do “voto em lista”. Nessa modalidade, se vota sobretudo no partido e não em candidatos isolados. Cada partido apresenta, antes, sua “lista” de candidatos que incluirá no Congresso, a depender do número de votos recebidos. O eleitor continua sabendo nomes possíveis que ocuparão o Congresso (se o partido apresentar uma lista ruim, o eleitor pode simplesmente não votar nele), mas acima de tudo acaba a multiplicação de nomes que faz com que votemos em candidatos como quem escolhe produtos em supermercado. Com o tempo, o voto em lista tende a identificar cada vez mais o eleitor com determinado partido (posição que também muda, naturalmente, com as eventuais decepções) e a possibilitar uma cobrança maior com relação às posições adotadas. Uma alternativa ao voto em lista é o voto distrital. Em cada distrito, se vota em um candidato numa mini eleição majoritária, o que também permite a identificação. A desvantagem dessa proposta é que o candidato eleito (digamos, para Deputado Federal) tende a adotar pautas excessivamente locais para conquistar o eleitor do seu distrito. Por isso, alguns propõem eleições com voto distrital misto.
De todo modo, há alguns pontos essenciais que só serão mudados numa reforma política. Fala-se na reforma política há muitos anos, e ela nunca ocorre, por um motivo básico: não interessa à maior parte dos parlamentares eleitos com as regras atuais mudá-las, vivemos um impasse prático diante disso. Mas as manifestações podem ser uma oportunidade ímpar: e se os manifestantes canalizassem a energia dos seus protestos e a profunda insatisfação com as instituições políticas para pressionar o Congresso Nacional para o estabelecimento de uma assembleia constituinte específica para uma reforma política? Essa cobrança poderia ter uma pauta específica: os parlamentares eleitos para a assembleia constituinte seriam eleitos de forma simples, sem quociente eleitoral (os “n” mais votados formariam o corpo constituinte), eles poderiam fazer ou não parte de algum partido, e poderiam compartilhar um espaço em comum (por exemplo, a televisão) para dizer por que deveriam ser eleitos para compor essa assembleia. Uma vez eleitos, naturalmente, a pressão popular teria de continuar, para que se fizesse uma reforma política efetivamente democrática.
Depois que eu já havia iniciado esse texto, influenciado por discussões que já haviam começado a acontecer no Congresso, a proposta da constituinte, com consulta popular, foi apresentada pela presidenta Dilma, embora sem o detalhamento que apresentei. Tem havido grande discussão sobre a sua possibilidade e a sua constitucionalidade. Não tenho elementos jurídicos para discutir isso, mas entendo como essencial ressaltar que permanece o fundamento político aqui posto, mesmo que modificações sejam feitas para se adequar a regras da nossa constituição. Permanece, acima de tudo, o princípio de que qualquer transformação do nosso modelo político provavelmente só ocorrerá a partir de forte pressão popular.
Alguns poderiam questionar que essa proposta, por mais que represente um avanço, ainda está no âmbito da já desgastada democracia representativa. Queremos agora, diriam, democracia direta, isto é, participação direta da população no processo decisório. A discussão da democracia direta é longa e interessante, e vai de, pelo menos, Rousseau a, mais recentemente, Chantal Mouffe e Ernest Laclau. Se democracia direta pressupõe mais mecanismos de participação popular (leis propostas pelos cidadãos, mais referendos, aprovação da própria constituição por votação, etc.), diversas dessas regras podem ser estabelecidas na reforma política, e elas serão tanto mais democráticas quanto mais decorrentes de pressões populares. Mas isso não pressupõe um fim da democracia representativa, e essa ainda parece ter um papel a cumprir. “Democracia direta” também já foi proposta adotada para justificar tiranias, e nos cabe evitar esse caminho.

Assim, cabe aos manifestantes, canalizarem suas energias em propostas cada vez mais concretas. Os manifestantes brasileiros não precisam seguir o beco sem saída das ruas europeias e americanas, que criaram uma bela fonte de protesto, mas não foram capazes de dar o próximo passo. Talvez possamos nos aproximar, digamos, da energia do povo egípcio, que iniciou uma transformação efetiva do seu país a partir da ocupação das praças. É verdade que as eleições, por lá, não se deram conforme se desejava. Mas ninguém quer voltar ao estado anterior, apenas avançar.

sexta-feira, 12 de julho de 2013

Manifestações de Junho e Reforma Política #2



Laurenio Sombra

(continuação)
Mas qual a ligação dessa temática com as manifestações? Os manifestantes pensaram em tudo isso, têm esse nível de conscientização política? Em parte, não, mas a população brasileira tem uma sensação, também, difusa, de que não é representada politicamente. Em geral, a população “não gosta de política”, e tem uma relação um tanto mágica com os “bons” e os “maus” governantes. Mas há um descompasso gritante entre as medidas que são realizadas nos poderes executivo e legislativo com a sensação de desconforto da população. Essa sensação foi fortemente materializada no incômodo crescente gerado pelos gastos exorbitantes com as “arenas” para a Copa do Mundo, somadas às medidas restritivas impostas pela FIFA e aos deslocamentos de populações de baixa renda resultantes das reformas no entorno. Mas é uma sensação que se repete com a complacência dos governantes com a risível/terrível ascensão do pastor Marco Feliciano, como presidente da Comissão de Direitos Humanos, apesar de sua evidente postura racista e homofóbica. Em escala menor, movimentos sociais ficam abismados com o fato do presidente da Comissão de Meio-Ambiente ser um grande fazendeiro, frequentemente acusado de ser um dos maiores desmatadores do país. Todos esses fatos são epifenômenos que, no entanto, revelam certa complacência dos poderes constituídos, que sentem pouca necessidade de justificativa perante a população. Essa questão vale, também, para denúncias de corrupção.
A questão da corrupção merece um capítulo à parte. Desde o surgimento de algumas denúncias já no governo Lula e, particularmente com o episódio do “mensalão”, a grande mídia passou a perpretar um ataque quase sistemático contra o governo do PT. No caso específico da revista Veja, este foi acusado do “governo mais corrupto da história do país”. Esta campanha se desdobrou em todo o processo do mensalão, ainda por ser julgado pela história. De parte da imprensa de esquerda, houve certa ambiguidade no episódio, pois ela tentava não ser conivente com as falhas ocorridas, mas se negava, também, a fazer coro com a imprensa mais à direita. Para além desse episódio, a esquerda sempre advogou, corretamente, que há uma simplificação, pela grande imprensa, da análise da corrupção, que é restringida a políticos profissionais, sem ênfase a todo o sistema corruptor, composto normalmente de grandes empresas, que também pode ser patrocinadoras dessa mesma imprensa. De qualquer forma, contudo, a esquerda ignora um fato elementar: a população, de um modo geral, e independente de coloração partidária, tem ojeriza à corrupção dos políticos. A indignação contra a corrupção, por mais simplista que pareça, compõe esse quadro de desconforto geral da população, e é legítimo que componha. É perigoso por parte da esquerda negligenciar esse aspecto.
Um último ponto, em relação a esse diagnóstico global de descontentamento da população com os poderes. A população mais pobre ainda tem motivos adicionais e gigantescos para ter materializado esse descompasso em relação ao Estado. Em primeiro lugar, é uma população que, com frequência, recebe uma oferta de serviços públicos com qualidade ainda mais baixa do que a população de classe média. Isso se mostra nas ruas esburacadas, no transporte público sempre insuficiente e de baixa qualidade, em serviços de saúde e educação inadequados, entre outros fatores. Mas o Estado não é falho apenas na sua omissão. Ele também constrange a população mais periférica com medidas ostensivas de violência. Isso se materializa, de um lado, no altíssimo nível de encarceramento no país. Atualmente, já são mais de 500 mil presos, sendo que quase 200 mil são provisórios, ou seja, sequer foram julgados! Dentre esses prisioneiros, provisórios ou não, algumas dezenas de milhares são pequenos traficantes (ou que foram acusados como tal) que são presos sem direito à fiança, mesmo que nunca tenham roubado ou matado ninguém. Outros tantos são encarcerados por pequenos furtos. De outro lado, para quem está de fora da prisão, essas medidas ostensivas são materializadas por frequentes abusos policiais, com medidas de busca, o eterno medo de serem acusados de traficantes, eventuais ações de tortura e até mesmo assassinatos. Mesmo a população que nunca sofreu diretamente tais abusos, vive frequentemente com medo de estar “no lugar errado, na hora errada”. Assim, a população de baixa renda, principalmente nas grandes metrópoles, sente menos ainda que o Estado lhe pertença. Ao contrário, pensa muitas vezes o Estado como fonte constante de opressão.

Não é difícil imaginar que esse conjunto também difuso de motivos, mas unificado por um idêntico incômodo das instituições políticas, pudesse gerar em algum momento o manifesto de indignação apresentado nos últimos dias, inclusive ao menos parte da reação violenta que se apresentou. Mas nada disso é novidade, por que justamente agora? Difícil afirmar, com certeza. Uma tese possível é que o ufanismo de pouca sustentação em torno da Copa, frente aos gastos exacerbados com ela, tenham sido fator simbólico que materializou esse incômodo. Outro aspecto é que os últimos anos têm apresentado diversas manifestações de massa pelo mundo (Ocuppy Wall Street, Indignados na Espanha, a “Primavera Árabe” e, mais recentemente, as revoltas na Turquia). Essas revoltas têm uma tendência a alimentarem-se mutuamente. Finalmente: há um interessante paralelo entre as manifestações e o já antigo “maio de 68” da França. Aqui como lá, foram movimentos que foram desencadeados por motivos específicos e que foram alimentados inclusive pela arrogância da repressão policial. Aqui como lá, não era um momento especialmente difícil na economia, não foi sobretudo a miséria que movimentou as energias. Lá, não houve tantos desdobramentos práticos específicos após o movimento, mas mudou o modo de se pensar a política, de repente certos políticos pareceram ultrapassados – no caso de lá, o general De Gaulle, inclusive.
(continua)

segunda-feira, 8 de julho de 2013

Manifestações de Junho e Reforma Política #1

(este texto foi originalmente escrito em junho de 2013)


Laurenio Sombra

“Do rio que tudo arrasta, diz-se que é violento. Mas ninguém chama violentas às margens que o comprimem”
Bertolt Brecht

Ainda estamos vivendo o rescaldo das grandes manifestações nos últimos dias, iniciadas a propósito do Movimento Passe Livre em São Paulo, mas estendida por todo o país, com ênfase em cidades em que ocorriam jogos da Copa das Confederações. Praticamente ninguém ficou alheio a elas, que foram vividas num misto de espanto, admiração e medo por diversas pessoas. Alguns aspectos chamaram a atenção, além do óbvio impacto do número de manifestantes, que chegaram a representar mais de um milhão de pessoas na 5ª feira (20/06): o conteúdo difuso das manifestações, a violência policial muitas vezes exacerbada e a reação corajosa de diversos manifestantes, a exigência de apartidarismo e mesmo o afastamento ríspido de qualquer bandeira partidária, as ações de depredação de patrimônio (carros, ônibus, caixas de lixos, telefones públicos, janelas de loja) por parte de alguns manifestantes, e finalmente o surgimento de grupos de direita com bandeiras reacionárias. A grande mídia, com tendência conservadora, iniciou em geral com pedidos veementes de coibição das manifestações, mas face à reação contra elas (especialmente contra a Rede Globo) e a jornalistas feridos pela polícia, mudou o discurso e passou a enaltecer o movimento, mas ressalvando as “exceções” dos “vândalos”.
Da parte dos movimentos institucionalizados de esquerda, o clamor pelo “apartidarismo” apresentou-se como um dado preocupante. Como se encaminhar um movimento político sério sem aparentes lideranças e sem partidos? Qual o sentido de um movimento que sequer apresenta bandeiras específicas? Ficou o receio de que um movimento com essa natureza seria facilmente cooptado por bandeiras de grupos de direita como um difuso “basta à corrupção”. Em grupos de esquerda que apoiam o governo do PT, o receio se ampliou como assimilável à oposição, inclusive com vozes “udenistas” de apoio ao impeachment de Dilma, criação de um Partido Militar ou, ao menos, o enfraquecimento do atual governo para as próximas eleições.
Frequentemente as leituras do movimento foram enviesadas pelas opiniões prévias de cada intérprete. A depender dos gostos anteriores, era um movimento por “mais saúde e educação”, contra os gastos abusivos da Copa, contra a criminalidade e a corrupção, contra todos os políticos, pelo casamento gay, pela descriminalização da maconha, contra a inflação, contra o Estado policial, contra Dilma, etc. Cabe, entretanto, se dar um passo atrás e tentar, de fato, compreender o que permite minimamente aproximar fenômenos tão difusos. Nesse sentido, peço licença para uma digressão.
O Brasil apresentou, pelo menos nos últimos vinte anos, aspectos paradoxais. No final do governo Itamar e no decorrer do governo FCH derrubamos finalmente a inflação e consolidamos, para o bem e para o mal, um conjunto de regras estáveis de controle da nossa moeda. Iniciaram-se algumas medidas tímidas de investimento social, que foram aprofundadas no governo Lula. Neste, diversas medidas favoreceram um início, também tímido, de reversão da nossa profunda desigualdade de renda. O investimento no bolsa-família, aumento real do salário mínimo, aumento de crédito para consumidores de baixa renda, políticas afirmativas, investimento na agricultura familiar, medidas de fomento de desenvolvimento regional, incentivo descentralizado à cultura (bastante reduzido no governo Dilma), tudo isso estruturado por um crescimento econômico razoável, permitiram uma redução da pobreza no país, e um incremento da propalada “classe C”, bem como um maior acesso da população a bens culturais, muito embora, repita-se, a desigualdade continuou forte no país.
Do outro lado, essas medidas foram acompanhadas por uma tendência de forte enriquecimento do setor financeiro desde o governo FHC e mantida no governo Lula (só parcialmente atenuado por Dilma), subsídios ao agronegócio, medidas de fortalecimento do capital com consequentes tensões econômicas e sociais, e mesmo financiamento direto de grandes empresários via BNDES. Nem de longe, os governos do PT criaram desconfortos efetivos para o empresariado nacional, exceto em questões tópicas.
Mas ainda mais importante para o que se quer analisar: desde o governo FHC, o poder executivo brasileiro estruturou-se numa lógica de coalizões que já fazia muito pouco apelo a qualquer caráter ideológico. Formou-se, no país, uma gama de partidos (capitaneada pelo PMDB) já sem nenhuma bandeira específica, mas com um enorme apetite. O que se passou a chamar de “governabilidade” significa, na prática, maior tempo nos horários políticos, a possibilidade do poder executivo aprovar no Congresso leis que lhe interessam e, tão ou mais importante que os fatores anteriores, a necessidade de não ser permanentemente chantageado com ameaças de impeachment e de CPIs. Em consequência: se os eleitores votavam em determinado partido (como o PT, nas últimas eleições para presidente), tinham de ver o governo conviver com diversos ministros com orientações ideológicas não previstas nos programas eleitorais.
Outro aspecto fundamental: quando elegemos o poder executivo de qualquer nível, federal, estadual ou municipal, há de todo modo, uma sensação de que o governante foi efetivamente eleito pela maioria da população que, dentre as opções definidas, o escolheu. Quando nos voltamos para o Congresso, essa sensação é mais difusa. Muitos dos partidos numericamente representativos não apresentaram nenhuma proposta consistente, que precisasse defender no decorrer do mandato legislativo. A eleição apenas apresenta um conjunto infindável e disperso de nomes, imagens e slogans, que massacram a população na época das eleições, que vota sem muita diferença, por motivos também bastante dispersos. Mas se não há consistência na proposta de diversos partidos, a matemática das eleições age como se ela houvesse: em função do famoso quociente eleitoral, é o conjunto de votos do partido que define o número de parlamentares eleitos. Se a população, inclusive, votar maciçamente em um candidato (por conteúdos apresentados ou por mera diversão), o seu voto será distribuído entre diversos outros candidatos pouco votados, o que não implica nenhuma fidelidade ao partido que o elegeu.

O resultado mais imediato: o poder legislativo, aquele que deveria ser o mais importante de todos, aquele que define as leis, a regra de jogo do funcionamento do país, se apresenta com baixíssima consistência de conteúdo, e com praticamente nenhuma necessidade interna de se justificar ao país. Para falarmos em níveis absurdos, um governante do poder executivo sempre tem algum prurido em aumentar o próprio salário, os congressistas não, e isso por um motivo simples: a escolha do parlamentar é tão difusa que poucos vão se lembrar de quem apoiou o quê, nas próximas eleições, e basta uma votação minoritária, turbinada de “quociente eleitoral”, que ele será reeleito, mesmo que seja bastante impopular em certas plagas – principalmente, se sua campanha for bem financiada, e permitir uma grande difusão audiovisual das suas “propostas”. O outro resultado é que o poder legislativo legisla pouco. Muitas “regras do jogo” são estabelecidas pelo poder executivo (via medidas provisórias ou, ao menos, instruções para os líderes partidários) e pelo poder judiciário, que precisa normatizar regras constitucionais não (ou mal) regulamentadas. Quando alguém, em nome da “harmonia dos poderes”, propõe acabar com essas “intervenções” do poder judiciário e do poder executivo, esquece que, dado o estado atual, seria muito pior se elas não fossem feitas...
(continua)


Laurenio Sombra é professor de filosofia política na Universidades Estadual de Feira de Santana.