Júlio Cabrera
Muitos leitores poderiam sentir o
impulso de dispensar este item por achar que a filosofia é simplesmente
filosofia, e que não tem cabimento colocar questões sobre “filosofias
nacionais”. A isto respondo que estou de acordo, e que não gosto de colocar esta
questão, mas que colocá-la é uma resposta a uma situação já instalada:
filósofos brasileiros não são estudados nos curricula de filosofia, nem mesmo
mencionados, nem são apresentados em congressos e conferências (salvo em grupos
específicos de estudiosos de filosofia no Brasil, com o qual os filósofos
nacionais são como encerrados em campos de discussão restritos) e uma grande
parte da comunidade acadêmica está convencida de que não existem filósofos no
Brasil. Podemos ter a impressão deles estarem sendo excluídos por serem
brasileiros, salvo que se demonstre que nenhum deles pensounada de
valor. É por isso que somos obrigados (a contragosto) a colocar a questão,
precisamente porque a filosofia é simplesmente filosofia (ou deveria sê-lo),
sem considerações de nacionalidade.
Tanto os que não acreditam na
possibilidade de uma “filosofia brasileira” (os "universalistas" ou
"internacionalistas"), quanto os que acreditam (os
"independentistas"), sempre colocam toda a questão em termos sociais
e institucionais. Os primeiros pensam que deve criar-se uma comunidade de
estudiosos de textos, de bons comentadores e conhecedores de filosofia clássica
e moderna, capazes de gerar papers e livros que possam
concorrer dignamente no plano internacional. Essa deve, segundo eles, ser
considerada como a contribuição brasileira à filosofia. Alguns deles não vêem
qualquer sentido na questão de se tal tipo de prática filosófica acaba gerando
ou não um pensar "genuinamente brasileiro", enquanto outros apostam
numa continuidade às vezes difícil de compreender, entre essas atividades
eruditas e o nascer de um pensamento original brasileiro. A ideologia
universalista parece-me hoje predominante entre os professores.
Por outro lado, os escassos críticos da
filosofia acadêmica acham que devem criar-se condições sociais, culturais e
mesmo institucionais que favoreçam um pensamento original e criador, devendo-se
lutar contra o colonialismo ainda presente nas mentes dos pensadores
brasileiros, que os leva a copiar moldes externos em lugar de pensar por si
mesmos. Em ambos os casos, o problema do filosofar original e criador é pensado
dentro dos termos de uma preparação sócio-cultural e institucional que
permitiria seu desenvolvimento: do ponto de vista universalista, devem-se
preparar gerações de eruditos e comentadores, criando-se então uma comunidade
de contribuidores à filosofia internacional; do lado independentista, deve-se
criar uma "massa crítica" (para usar o jargão) capaz de
"sacudir" as estruturas da dependência cultural e preparar as
condições para um pensamento independente.
(continua)
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