quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

O que significa dizer: "não existem filósofos no Brasil"?

Júlio Cabrera


Muitos leitores poderiam sentir o impulso de dispensar este item por achar que a filosofia é simplesmente filosofia, e que não tem cabimento colocar questões sobre “filosofias nacionais”. A isto respondo que estou de acordo, e que não gosto de colocar esta questão, mas que colocá-la é uma resposta a uma situação já instalada: filósofos brasileiros não são estudados nos curricula de filosofia, nem mesmo mencionados, nem são apresentados em congressos e conferências (salvo em grupos específicos de estudiosos de filosofia no Brasil, com o qual os filósofos nacionais são como encerrados em campos de discussão restritos) e uma grande parte da comunidade acadêmica está convencida de que não existem filósofos no Brasil. Podemos ter a impressão deles estarem sendo excluídos por serem brasileiros, salvo que se demonstre que nenhum deles pensounada de valor. É por isso que somos obrigados (a contragosto) a colocar a questão, precisamente porque a filosofia é simplesmente filosofia (ou deveria sê-lo), sem considerações de nacionalidade.

Tanto os que não acreditam na possibilidade de uma “filosofia brasileira” (os "universalistas" ou "internacionalistas"), quanto os que acreditam (os "independentistas"), sempre colocam toda a questão em termos sociais e institucionais. Os primeiros pensam que deve criar-se uma comunidade de estudiosos de textos, de bons comentadores e conhecedores de filosofia clássica e moderna, capazes de gerar papers e livros que possam concorrer dignamente no plano internacional. Essa deve, segundo eles, ser considerada como a contribuição brasileira à filosofia. Alguns deles não vêem qualquer sentido na questão de se tal tipo de prática filosófica acaba gerando ou não um pensar "genuinamente brasileiro", enquanto outros apostam numa continuidade às vezes difícil de compreender, entre essas atividades eruditas e o nascer de um pensamento original brasileiro. A ideologia universalista parece-me hoje predominante entre os professores.

Por outro lado, os escassos críticos da filosofia acadêmica acham que devem criar-se condições sociais, culturais e mesmo institucionais que favoreçam um pensamento original e criador, devendo-se lutar contra o colonialismo ainda presente nas mentes dos pensadores brasileiros, que os leva a copiar moldes externos em lugar de pensar por si mesmos. Em ambos os casos, o problema do filosofar original e criador é pensado dentro dos termos de uma preparação sócio-cultural e institucional que permitiria seu desenvolvimento: do ponto de vista universalista, devem-se preparar gerações de eruditos e comentadores, criando-se então uma comunidade de contribuidores à filosofia internacional; do lado independentista, deve-se criar uma "massa crítica" (para usar o jargão) capaz de "sacudir" as estruturas da dependência cultural e preparar as condições para um pensamento independente.

Eu fico perplexo com este tipo de abordagem! Pois ela sugere que um filósofo deve ser o produto de algum ambiente sócio-político-cultural favorável, de tal forma que, dadas certas condições, o filósofo surgirá. Daí que os professores gastem muito tempo falando de "condições sociais e culturais" da criação de filosofia, das condições da formação filosófica no atual contexto cultural, do número de traduções existentes, da criação de pós-graduações de nível, e assim por diante, como se estas questões fossem as decisivas para a gestação de um pensamento filosófico autêntico e criador no Brasil, como se a partir de condições sociais determinadas fosse surgir um autêntico filósofo.


(continua)

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