(continuação)
Durante
esse longo período, as idéias gregas herdadas da época da liberdade sofreram um
processo gradual de transformação. Algumas das velhas idéias, principalmente
aquelas que deveríamos encarar como especificamente religiosas, adquiriram uma
importância relativa; outras, mais racionalistas, foram abandonadas, pois não
mais se ajustavam ao espírito da época. Desse modo, os pagãos posteriores foram
se adaptando á tradição grega, até esta poder incorporar-se na doutrina cristã.
O
Cristianismo popularizou uma idéia importante, já implícita nos ensinamentos
dos estóicos, mas estranha ao espírito geral da antigüidade, isto é, a idéia de
que o dever do homem para com Deus é mais imperativo do que o seu dever para
com o Estado. A opinião
de que "devemos obedecer mais a Deus que ao homem", como Sócrates e
os Apóstolos afirmavam, sobreviveu à conversão de Constantino, porque os
primeiros cristãos eram arianos ou se sentiam inclinados para o arianismo.
Quando os imperadores se tornaram ortodoxos, foi ela suspensa temporariamente.
Durante o Império Bizantino, permaneceu latente, bem como no Império Russo
subseqüente, o qual derivou do Cristianismo de Constantinopla. Mas no Ocidente, onde os imperadores
católicos foram quase imediatamente substituídos ( exceto em certas partes da
Gália ) por conquistadores bárbaros heréticos, a superioridade da lealdade
religiosa sobre a lealdade política sobreviveu e, até certo ponto, persiste
ainda hoje.
A
invasão dos bárbaros pôs fim, por espaço de seis séculos, à civilização da
Europa Ocidental. Subsistiu, na Irlanda, até que os dinamarqueses a destruíram
no século IX. Antes de sua extinção produziu, lá, uma figura notável, Scotus
Erigena. No Império Oriental, a civilização grega sobreviveu, em forma dissecada,
como num museu, até à queda de Constantinopla, em 1453, mas nada que fosse de
importância para o mundo saiu de Constantinopla, exceto uma tradição artística
e os Códigos de Direito Romano de Justiniano.
Durante
o período de obscuridade, desde o fim do século V até a metade do século XI, o
mundo romano ocidental sofreu algumas transformações interessantes. O conflito
entre o dever para com Deus e o dever para com o Estado, introduzido pelo
Cristianismo, adquiriu o caráter de um conflito entre a Igreja e o rei. A
jurisdição eclesiástica do Papa estendia-se sobre a Itália, França, Espanha,
Grã-Bretanha e Irlanda, Alemanha, Escandinávia e Polônia. A princípio, fora da
Itália e do sul da França foi muito leve o seu controle sobre bispos e abades,
mas, desde o tempo de Gregório VII ( fins do século XI ), tornou-se real e
efetivo. Desde então o clero, em toda a Europa Ocidental, formou uma única
organização, dirigida por Roma, que procurava o poder inteligente e
incansavelmente e, em geral, vitoriosamente, até depois do ano 1300, em seus
conflitos com os governantes seculares. O conflito entre a Igreja e o Estado
não foi apenas um conflito entre o clero e os leigos; foi, também, uma
renovação da luta entre o mundo mediterrâneo e os bárbaros do norte. A unidade
da Igreja era um reflexo da unidade do Império Romano; sua liturgia era latina,
e os seus homens mais proeminentes eram, em sua maior parte, italianos,
espanhóis ou franceses do sul. Sua educação, quando esta renasceu, foi
clássica; suas concepções da lei e do governo teriam sido mais compreensíveis
para Marco Aurélio do que para os monarcas contemporâneos. A Igreja
representava, ao mesmo tempo, continuidade com o passado e com o que havia de
mais civilizado no presente.
(continua)
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