Paul Ricoeur
2. Teoria da metáfora
Para compreender correctamente o
trabalho da imaginação na metáfora, é necessário lembrar de modo breve a
mutação interveniente na teoria semântica da metáfora em contraste com a
tradição da retórica clássica. Nessa tradição, a metáfora era correctamente
definida como um desvio de sentido, mas esse desvio era atribuído apenas à denominação:
em lugar de dar a uma coisa o seu nome usual, comum, designamo-la por um
nome emprestado, transferido (meta-fora) de uma coisa estranha para a
coisa à qual o nome faz falta. A razão dessa transferência de nome, segundo
Aristóteles que foi o primeiro a fazer a teoria da metáfora, supunha-se ser a
semelhança objectiva entre as próprias coisas ou a semelhante subjectiva
entre as atitudes que se reportam
à compreensão das coisas. Quanto à finalidade dessa transferência,
pressupunha-se que ela supria uma lacuna lexical e, consequentemente, servia o
princípio de economia que governa a atribuição de nomes a coisas novas, a novas
ideias, a experiências novas ou, mais naturalmente e mais frequentemente,
juntava um ornamento ao discurso e assim servia a intenção maior do discurso
retórico que é a de persuadir agradando. Podemos caracterizar a teoria clássica
da metáfora, saída de Aristóteles, como teoria da substituição.
A metáfora recebeu, nos últimos
trinta anos, da parte dos lógicos e dos críticos literários de língua inglesa,
um tratamento novo e completamente original que podemos colocar sob o título de
teoria da interacção. Segundo esta análise nova, à qual se liga o meu
próprio trabalho sobre a metáfora viva, o portador da operação metafórica não é
já a palavra tomada isoladamente, mas a frase considerada como um todo:
«a natureza é um templo em que vivos pilares…». A metáfora é a expressão
completa que aproxima «natureza» e «templo» e constrói o complexo novo «pilares
vivos». O processo de interacção não consiste em substituir uma palavra por
outra – o que estritamente define apenas a metonímia – mas em combinar de modo
novo um sujeito lógico e um predicado. Se a metáfora contém qualquer desvio –
esse traço não é negado, mas descrito e explicado de maneira nova – o desvio
diz respeito à própria estrutura predicativa. Desde logo, a metáfora consiste
menos numa denominação desviante do que numa predicação desviante ou, como se
disse, «bizarra». Começamos a entrever o papel que pode desempenhar a
semelhança e, do mesmo modo, a imaginação, se examinarmos como procede
esta predicação desviante. Jean Cohen, em Estrutura da linguagem poética,
designa esse desvio com o termo de impertinência semântica, para caracterizar a
violação do código de pertinência que regula a atribuição dos predicados no uso
ordinário. O enunciado metafórico opera a redução desse desvio sintagmático,
estabelecendo uma nova pertinência aceite pelo auditor ou pelo leitor. Essa
nova pertinência, por seu lado, é assegurada pela produção de um afastamento lexical,
logo um desvio paradigmático, precisamente aquele que era descrito pelos
retóricos clássicos. A retórica clássica não era, neste sentido, falsa;
descrevia apenas o efeito de sentido ao nível da palavra e desconhecia a
produção dessa viragem semântica no seu ponto de origem, a operação
predicativa. Se é verdade que o efeito é centrado na palavra, a produção
de sentido é suportada pelo enunciado inteiro. É desta forma que a teoria
da metáfora gira em torno da semântica da frase e não da palavra.
O papel da imaginação na metáfora
aparece quando, não contente em sublinhar a incongruência da predicação
nova e o desvio de sentido ao nível das palavras pelas quais tentamos reduzir
essa incongruência, fixamos a nossa atenção na emergência de nova congruência
a partir das ruínas da que se dissolveu, sob os golpes da impertinência
semântica: pilares não estão vivos no código das classificações usuais.
Trata-se de compreender como chegamos a receber a predicação bizarra: «pilares
vivos» como nova pertinência, apesar da sua incongruência de acordo com
o uso comum.
Para
este efeito, a imaginação, parece-me operar a três níveis diferentes.
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