terça-feira, 27 de novembro de 2012

Imaginação e Metáfora


Paul Ricoeur



2. Teoria da metáfora

Para compreender correctamente o trabalho da imaginação na metáfora, é necessário lembrar de modo breve a mutação interveniente na teoria semântica da metáfora em contraste com a tradição da retórica clássica. Nessa tradição, a metáfora era correctamente definida como um desvio de sentido, mas esse desvio era atribuído apenas à denominação: em lugar de dar a uma coisa o seu nome usual, comum, designamo-la por um nome emprestado, transferido (meta-fora) de uma coisa estranha para a coisa à qual o nome faz falta. A razão dessa transferência de nome, segundo Aristóteles que foi o primeiro a fazer a teoria da metáfora, supunha-se ser a semelhança objectiva entre as próprias coisas ou a semelhante subjectiva
entre as atitudes que se reportam à compreensão das coisas. Quanto à finalidade dessa transferência, pressupunha-se que ela supria uma lacuna lexical e, consequentemente, servia o princípio de economia que governa a atribuição de nomes a coisas novas, a novas ideias, a experiências novas ou, mais naturalmente e mais frequentemente, juntava um ornamento ao discurso e assim servia a intenção maior do discurso retórico que é a de persuadir agradando. Podemos caracterizar a teoria clássica da metáfora, saída de Aristóteles, como teoria da substituição.
A metáfora recebeu, nos últimos trinta anos, da parte dos lógicos e dos críticos literários de língua inglesa, um tratamento novo e completamente original que podemos colocar sob o título de teoria da interacção. Segundo esta análise nova, à qual se liga o meu próprio trabalho sobre a metáfora viva, o portador da operação metafórica não é já a palavra tomada isoladamente, mas a frase considerada como um todo: «a natureza é um templo em que vivos pilares…». A metáfora é a expressão completa que aproxima «natureza» e «templo» e constrói o complexo novo «pilares vivos». O processo de interacção não consiste em substituir uma palavra por outra – o que estritamente define apenas a metonímia – mas em combinar de modo novo um sujeito lógico e um predicado. Se a metáfora contém qualquer desvio – esse traço não é negado, mas descrito e explicado de maneira nova – o desvio diz respeito à própria estrutura predicativa. Desde logo, a metáfora consiste menos numa denominação desviante do que numa predicação desviante ou, como se disse, «bizarra». Começamos a entrever o papel que pode desempenhar a semelhança e, do mesmo modo, a imaginação, se examinarmos como procede esta predicação desviante. Jean Cohen, em Estrutura da linguagem poética, designa esse desvio com o termo de impertinência semântica, para caracterizar a violação do código de pertinência que regula a atribuição dos predicados no uso ordinário. O enunciado metafórico opera a redução desse desvio sintagmático, estabelecendo uma nova pertinência aceite pelo auditor ou pelo leitor. Essa nova pertinência, por seu lado, é assegurada pela produção de um afastamento lexical, logo um desvio paradigmático, precisamente aquele que era descrito pelos retóricos clássicos. A retórica clássica não era, neste sentido, falsa; descrevia apenas o efeito de sentido ao nível da palavra e desconhecia a produção dessa viragem semântica no seu ponto de origem, a operação predicativa. Se é verdade que o efeito é centrado na palavra, a produção de sentido é suportada pelo enunciado inteiro. É desta forma que a teoria da metáfora gira em torno da semântica da frase e não da palavra.
O papel da imaginação na metáfora aparece quando, não contente em sublinhar a incongruência da predicação nova e o desvio de sentido ao nível das palavras pelas quais tentamos reduzir essa incongruência, fixamos a nossa atenção na emergência de nova congruência a partir das ruínas da que se dissolveu, sob os golpes da impertinência semântica: pilares não estão vivos no código das classificações usuais. Trata-se de compreender como chegamos a receber a predicação bizarra: «pilares vivos» como nova pertinência, apesar da sua incongruência de acordo com o uso comum.
Para este efeito, a imaginação, parece-me operar a três níveis diferentes.

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