terça-feira, 4 de dezembro de 2012

A Lógica não serve para nada?


Julio Cabrera

(continuação)
Levando tudo isto em consideração, a minha apresentação da lógica poderia resumir-se nos cinco seguintes itens:

1'. Contra a ultra-generalidade.

Eu creio que a afirmação 1 é falsa. Na escolha dos "termos lógicos" (conectivos, quantificadores, etc) há, ao mesmo tempo, uma escolha do tipo de objeto do qual a lógica se ocupará. O específico tipo de objeto que LF estuda é, por exemplo, um objeto não afetado pela temporalidade, pela causalidade e pelos processos reais, um tipo de objeto totalmente sensível a operações tais como a comutatividade, a contraposição, o destaque, etc. Mas nem todos os objetos do mundo são deste tipo. Por que supor que o "objeto qualquer", com independência dos diferentes âmbitos temáticos, deva ser, por exemplo, um objeto atemporal? Eu diria, pelo contrário, que se faltar a temporalidade, isso prova que a lógica não está tratando com o "objeto qualquer", mas com um tipo peculiar de objeto desprovido de temporalidade.

2'. Contra a adequação.

Eu creio que os contra-exemplos e dificuldades de aplicação que os próprios lógicos freqüentemente encontram na aplicação dos esquemas de LF ao raciocínio ordinário e ao discurso filosófico, têm uma importância maior do que os lógicos estão dispostos a conceder, no seu poder de abalar a habitual (e monótona) apresentação da lógica (se a mesma se pretende analítica e com interesse filosófico). As paráfrases "reduzem", às vezes barbaramente, a variedade das formas dos objetos aos esquemas lógicos pre-determinados. Os artifícios dos quais os lógicos lançam mão para obter o "encaixe" nos esquemas e a relativa arbitrariedade das paráfrases, cheia de decisões cruciais acerca da tradução mais "bem sucedida", mostram que LF é muito mais inadequada do que habitualmente se pensa, e que deveriam ser tiradas as conseqüências disto. Trata-se, por conseguinte, não apenas de insistir nas inadequações, já perfeitamente visualizadas, nem de ficar analisando exemplos avulsos de inadequação, mas de situar a crítica baseada nessas observações num âmbito abrangente e radical de reflexão.

3'. Contra a exclusão das formas lexicais.

Se o que interessa inicialmente são os raciocínios ordinários do tipo que os filósofos fazem, nada mais típico deles do que as conexões entre peças lexicais, num sentido largo (não apenas as conexões "analíticas" estudadas na literatura, mas conexões que estão na interface entre dicionários e enciclopédias, conexões lexicais de variados tipos). Se LF visa um tipo de "generalidade" que deixa totalmente de lado por princípio, como habitualmente é feito, as conexões lexicais como sendo "materiais", terá deixado de lado um dos traços mais interessantes dos raciocínios ordinários. A introdução de estudos formais sobre conexões lexicais talvez deva modificar substancialmente toda a apresentação da lógica, diluindo-se a própria noção de "lógica clássica" como hoje entendida. É falso que as conexões lexicais sejam puramente materiais: os lingüistas e meu colaborador Olavo L.D.S. Filho, na obra escrita em co-autoria Inferências Lexicais e Interpretação de redes de predicados, mostraram que as conexões lexicais podem considerar-se formais à luz de novas análises diferentes das oferecidas por LF, análises que trabalham com redes de peças lexicais, procurando estruturas recorrentes e formalizáveis. Assim, este ponto é a estrita contrapartida do item 1: assim como as formas lógicas usuais de LF não são tão formais e gerais quanto se pretende, as conexões lexicais não são tão materiais e "extralógicas" quanto habitualmente se supõe.

4'. Contra o referencial fixo da "lógica clássica"

Por conseguinte, a construção da teoria lógica, se o nosso interesse primordial for filosófico, poderia iniciar-se a partir das conexões lexicais. O vinculo de, pelo menos, dois predicados, é -se poderia dizer- o ato inaugural da lógica: as conexões intersentenciais e a quantificação poderão vir depois. Se a conexão entre "x é verde" e "x é colorido" é formalmente estabelecida, as conexões entre essas duas sentenças ("x é verde e x é colorido", "x é verde ou x é colorido", Se "se x é verde então "x é colorido", etc) e as generalizações sobre seu conteúdo ("Para todo x, se x for verde, então x é colorido", "Existe um x tal que é verde e colorido", etc) poderão ser derivadas a partir daquela conexão primitiva. Se ela não existir, as sentenças e quantificações não decorrerão. A idéia é que as conexões lógicas usuais (sentenciais e quantificacionais) podem considerar-se como derivadas se suspendermos a proibição de considerar as conexões lexicais como não formais.

5'. Contra a história oficial da lógica.

Como ponto final mas não banal: ao longo de toda a história da filosofia houve numerosos filósofos que tiveram intuições acerca da interação entre formas e conteúdos dentro da constituição da teoria lógica; eles dirigiram críticas à pretensa "máxima generalidade" das estruturas lógicas, tecendo considerações acerca de como os conteúdos poderiam ser formalmente estudados. Hegel, Dewey e Husserl são, por exemplo, três filósofos modernos que construíram teorias lógicas nesse sentido, e foram completamente apagados da história oficial da lógica. Muitos outros filósofos (notadamente, Descartes, Locke e Kant), durante o "período obscuro" onde, habitualmente, se afirma (monotonamente e sem crítica) que "não houve nada de valioso em termos lógicos", tiveram idéias críticas contra a formalidade unilateral da lógica usual (na sua forma aristotélica escolástica ou moderna) e intuições construtivas acerca de outras maneiras de apresentar a lógica. Obviamente, isto da origem a uma história da lógica absolutamente diferente da que temos hoje.
No meu livro de 87, A Lógica Condenada, já se podem encontrar desenvolvimentos de todos estes tópicos. Posteriormente, continuei desenvolvendo minhas idéias e apresentando-as em outros âmbitos geográficos de discussão. Estas idéias foram apresentadas na França e no México com receptividade e interesse. Os textos mais completos sobre estas questões, além dos artigos recentes "Es realmente la lógica tópicamente neutra y completamente general?" e “Redes predicativas e inferências lexicais (Uma alternativa à lógica formal na análise de línguas naturais)”, são os livros 10 e 13 também mencionados no linkEscrevo.

texto completo disponível em: 

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