Julio Cabrera
(continuação)
Levando tudo isto em consideração, a
minha apresentação da lógica poderia resumir-se nos cinco seguintes itens:
1'. Contra a ultra-generalidade.
Eu creio que a afirmação 1 é falsa. Na
escolha dos "termos lógicos" (conectivos, quantificadores, etc) há,
ao mesmo tempo, uma escolha do tipo de objeto do qual a lógica se ocupará. O
específico tipo de objeto que LF estuda é, por exemplo, um objeto não afetado
pela temporalidade, pela causalidade e pelos processos reais, um tipo de objeto
totalmente sensível a operações tais como a comutatividade, a contraposição, o
destaque, etc. Mas nem todos os objetos do mundo são deste tipo. Por que supor
que o "objeto qualquer", com independência dos diferentes âmbitos
temáticos, deva ser, por exemplo, um objeto atemporal? Eu diria, pelo
contrário, que se faltar a temporalidade, isso prova que a lógica não está
tratando com o "objeto qualquer", mas com um tipo peculiar de objeto
desprovido de temporalidade.
2'. Contra a adequação.
Eu creio que os contra-exemplos e
dificuldades de aplicação que os próprios lógicos freqüentemente encontram na
aplicação dos esquemas de LF ao raciocínio ordinário e ao discurso filosófico,
têm uma importância maior do que os lógicos estão dispostos a conceder, no seu
poder de abalar a habitual (e monótona) apresentação da lógica (se a mesma se
pretende analítica e com interesse filosófico). As paráfrases
"reduzem", às vezes barbaramente, a variedade das formas dos objetos
aos esquemas lógicos pre-determinados. Os artifícios dos quais os lógicos
lançam mão para obter o "encaixe" nos esquemas e a relativa
arbitrariedade das paráfrases, cheia de decisões cruciais acerca da tradução
mais "bem sucedida", mostram que LF é muito mais inadequada do que
habitualmente se pensa, e que deveriam ser tiradas as conseqüências disto.
Trata-se, por conseguinte, não apenas de insistir nas inadequações, já
perfeitamente visualizadas, nem de ficar analisando exemplos avulsos de
inadequação, mas de situar a crítica baseada nessas observações num âmbito abrangente
e radical de reflexão.
3'. Contra a exclusão das formas
lexicais.
Se o que interessa inicialmente são os
raciocínios ordinários do tipo que os filósofos fazem, nada mais típico deles
do que as conexões entre peças lexicais, num sentido largo (não apenas as
conexões "analíticas" estudadas na literatura, mas conexões que estão
na interface entre dicionários e enciclopédias, conexões lexicais de variados tipos).
Se LF visa um tipo de "generalidade" que deixa totalmente de lado por
princípio, como habitualmente é feito, as conexões lexicais como sendo
"materiais", terá deixado de lado um dos traços mais interessantes
dos raciocínios ordinários. A introdução de estudos formais sobre conexões
lexicais talvez deva modificar substancialmente toda a apresentação da lógica,
diluindo-se a própria noção de "lógica clássica" como hoje entendida.
É falso que as conexões lexicais sejam puramente materiais: os lingüistas e meu
colaborador Olavo L.D.S. Filho, na obra escrita em co-autoria Inferências
Lexicais e Interpretação de redes de predicados, mostraram que as conexões
lexicais podem considerar-se formais à luz de novas análises diferentes das
oferecidas por LF, análises que trabalham com redes de peças lexicais,
procurando estruturas recorrentes e formalizáveis. Assim, este ponto é a
estrita contrapartida do item 1: assim como as formas lógicas usuais de LF não
são tão formais e gerais quanto se pretende, as conexões lexicais não são tão
materiais e "extralógicas" quanto habitualmente se supõe.
4'. Contra o referencial fixo da "lógica clássica"
4'. Contra o referencial fixo da "lógica clássica"
Por conseguinte, a construção da teoria
lógica, se o nosso interesse primordial for filosófico, poderia iniciar-se a
partir das conexões lexicais. O vinculo de, pelo menos, dois predicados, é -se
poderia dizer- o ato inaugural da lógica: as conexões intersentenciais e a
quantificação poderão vir depois. Se a conexão entre "x é verde" e
"x é colorido" é formalmente estabelecida, as conexões entre essas
duas sentenças ("x é verde e x é colorido", "x é verde ou x é
colorido", Se "se x é verde então "x é colorido", etc) e as
generalizações sobre seu conteúdo ("Para todo x, se x for verde, então x é
colorido", "Existe um x tal que é verde e colorido", etc)
poderão ser derivadas a partir daquela conexão primitiva. Se ela não existir,
as sentenças e quantificações não decorrerão. A idéia é que as conexões lógicas
usuais (sentenciais e quantificacionais) podem considerar-se como derivadas se
suspendermos a proibição de considerar as conexões lexicais como não formais.
5'. Contra a história oficial da
lógica.
Como ponto final mas não banal: ao
longo de toda a história da filosofia houve numerosos filósofos que tiveram
intuições acerca da interação entre formas e conteúdos dentro da constituição
da teoria lógica; eles dirigiram críticas à pretensa "máxima
generalidade" das estruturas lógicas, tecendo considerações acerca de como
os conteúdos poderiam ser formalmente estudados. Hegel, Dewey e Husserl são,
por exemplo, três filósofos modernos que construíram teorias lógicas nesse
sentido, e foram completamente apagados da história oficial da lógica. Muitos
outros filósofos (notadamente, Descartes, Locke e Kant), durante o
"período obscuro" onde, habitualmente, se afirma (monotonamente e sem
crítica) que "não houve nada de valioso em termos lógicos", tiveram
idéias críticas contra a formalidade unilateral da lógica usual (na sua forma
aristotélica escolástica ou moderna) e intuições construtivas acerca de outras
maneiras de apresentar a lógica. Obviamente, isto da origem a uma história da
lógica absolutamente diferente da que temos hoje.
No meu livro de 87, A Lógica
Condenada, já se podem encontrar desenvolvimentos de todos estes tópicos.
Posteriormente, continuei desenvolvendo minhas idéias e apresentando-as em
outros âmbitos geográficos de discussão. Estas idéias foram apresentadas na
França e no México com receptividade e interesse. Os textos mais completos
sobre estas questões, além dos artigos recentes "Es realmente la lógica
tópicamente neutra y completamente general?" e “Redes
predicativas e inferências lexicais (Uma alternativa à lógica formal na análise
de línguas naturais)”, são os livros 10 e 13 também mencionados no linkEscrevo.
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