Bertrand Russell
1912, Oxford University Press,
1959, reimpresso em 1971-2
Tradução: Jaimir Conte
Capítulo XV
O Valor da Filosofia
Tendo
agora chegado ao término de nossa breve e incompletíssima revisão dos problemas
da filosofia, será conveniente considerar, para concluir, qual é o valor da
filosofia e por que ela deve ser estudada. É da maior importância considerar
esta questão, em vista do fato de que muitos homens, sob a influência da ciência
e dos negócios práticos, propendem a duvidar se a filosofia é algo melhor que
inocente mas inútil passatempo, com distinções sutis e controvérsias sobre
questões em que o conhecimento é impossível.
Esta
visão da filosofia parece resultar, em parte, de uma concepção errada dos fins
da vida humana e em parte de uma concepção errada sobre o tipo de bens que a
filosofia empenha-se em buscar. As ciências físicas, por meio de invenções, é
útil para inumeráveis pessoas que a ignoram completamente; e por isso o estudo
das ciências físicas é recomendável não somente, ou principalmente, por causa
dos efeitos sobre os estudantes, mas antes por causa dos efeitos sobre a
humanidade em geral. É esta utilidade que faz parte da filosofia. Se o estudo
de filosofia tem algum valor para outras pessoas além de para os estudantes de
filosofia, deve ser somente indiretamente, através de seus efeitos sobre as
vidas daqueles que a estudam. Portanto, é em seus efeitos, se é que ela tem
algum, que se deve procurar o valor da filosofia.
Mas,
além disso, se não quisermos fracassar em nosso esforço para determinar o valor
da filosofia, devemos em primeiro lugar libertar nossas mentes dos preconceitos
dos que são incorretamente chamados homens práticos. O homem prático, como esta
palavra é freqüentemente usada, é alguém que reconhece apenas necessidades
materiais, que acha que o homem deve ter alimento para o corpo, mas se esquece
que é necessário prover alimento para o espírito. Se todos os homens estivessem
bem; se a pobreza e as enfermidades tivessem já sido reduzidas o mais possível,
ainda ficaria muito por fazer para produzir uma sociedade verdadeiramente
válida; e até no mundo existente os bens do espírito são pelo menos tão
importantes quanto os bens materiais. É exclusivamente entre os bens do
espírito que o valor da filosofia deve ser procurado; e somente aqueles que não
são indiferentes a esses bens podem persuadir-se de que o estudo da filosofia
não é perda de tempo.
A
filosofia, como todos os outros estudos, visa em primeiro lugar o conhecimento.
O conhecimento que ela tem em vista é o tipo de conhecimento que confere
unidade sistemática ao corpo das ciências, bem como o que resulta de um exame
crítico dos fundamentos de nossas convicções, de nossos preconceitos, e de
nossas crenças. Mas não se pode dizer, no entanto, que a filosofia tenha tido
algum grande êxito na sua tentativa de fornecer respostas definitivas a seus
problemas. Se perguntarmos a um matemático, a um mineralogia, a um historiador,
ou a qualquer outro cientista, que definido corpo de verdades foi estabelecido
pela sua ciência, sua resposta durará tanto tempo quanto estivermos dispostos a
lhe dar ouvidos. Mas se fizermos essa mesma pergunta a um filósofo, ele terá
que confessar, se for sincero, que a filosofia não tem alcançado resultados
positivos tais como tem sido alcançados por outras ciências. É verdade que isso
se explica, em parte, pelo fato de que, mal se torna possível um conhecimento
preciso naquilo que diz respeito a determinado assunto, este assunto deixa de
ser chamado de filosofia, e torna-se uma ciência especial. Todo o estudo dos
corpos celestes, que hoje pertence à Astronomia, se incluía outrora na
filosofia; a grande obra de Newton tem por título: Princípios matemáticos da filosofia
natural. De maneira semelhante, o estudo da mente humana, que era uma parte
da filosofia, está hoje separado da filosofia e tornou-se a ciência da
psicologia. Assim, em grande medida, a incerteza da filosofia é mais aparente
do que real: aquelas questões para as quais já se tem respostas positivas vão
sendo colocadas nas ciências, ao passo que aquelas para as quais não foi
encontrada até o presente nenhuma resposta exata, continuam a constituir esse
resíduo a que é chamado de filosofia.
Isto
é, no entanto, só uma parte do que é verdade quanto à incerteza da filosofia.
Existem muitas questões ainda - e entre elas aquelas que são do mais profundo
interesse para a nossa vida espiritual - que, na medida em que podemos ver,
deverão permanecer insolúveis para o intelecto humano, a menos que seus poderes
se tornem de uma ordem inteiramente diferente daquela que são atualmente. O
universo tem alguma unidade de plano e objetivo, ou ele é um concurso fortuito
de átomos? É a consciência uma parte permanente do universo, dando-nos esperança
de um aumento indefinido da sabedoria, ou ela não passa de transitório acidente
sobre um pequeno planeta, onde a vida acabará por se tornar impossível? São o
bem e o mal importantes para o universo ou somente para o homem? Tais questões
são colocadas pela filosofia, e respondidas de diversas maneiras por vários
filósofos. Mas, parece que se as respostas são de algum modo descobertas ou
não, nenhuma das respostas sugeridas pela filosofia pode ser demonstrada como
verdadeira. E, no entanto, por fraca que seja a esperança de vir a descobrir
uma resposta, é parte do papel da filosofia continuar a examinar tais questões,
tornar-nos conscientes da sua importância, examinar todas as suas abordagens,
mantendo vivo o interesse especulativo pelo universo, que correríamos o risco
de deixar morrer se nos confinássemos aos conhecimentos definitivamente
determináveis.
Muitos
filósofos, é verdade, sustentaram que a filosofia poderia estabelecer a verdade
de certas respostas a tais questões fundamentais. Eles supuseram que o que é
mais importante no campo das crenças religiosas pode ser provado como
verdadeiro por meio de estritas demonstrações. A fim de julgar tais tentativas,
é necessário fazer uma investigação sobre o conhecimento humano, e formar uma
opinião quanto a seus métodos e suas limitações. Sobre tais assuntos é
insensato nos pronunciarmos dogmaticamente. Porém, se as investigações de
nossos capítulos anteriores não nos induziram ao erro, seremos forçados a
renunciar à esperança de descobrir provas filosóficas para as crenças
religiosas. Portanto, não podemos incluir como parte do valor da filosofia
qualquer série de respostas definidas a tais questões. Mais uma vez, portanto,
o valor da filosofia não depende de um suposto corpo de conhecimento
definitivamente assegurável, que possa ser adquirido por aqueles que a estudam.
(continua)
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